Semana Santa: pausa para renovar a vida

março 30, 2021 / no comments

Semana Santa: pausa para renovar a vida

Uma semana decisiva para a história do mundo foi aquela que nos próximos dias vamos recordar e reviver. Uma recordação para não deixar cair no esquecimento o quanto somos importantes aos olhos de Deus: todos e cada um. Na última ceia Jesus declarou a intenção de sua entrega: “meu corpo entregue por vós”; “meu sangue derramado por vós e por muitos para a remissão dos pecados”.

No começo e no fim da Semana Santa, manifestações de glória. Tudo começa com a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém no lombo de um burro, no Domingo de Ramos; e termina com outro triunfo maior, a sua gloriosa ressurreição, no Domingo de Páscoa, elevando em si a uma dignidade extraordinária o frágil corpo humano.

Os dias, porém, não serão todos de glória, haverá luta entre o amor e o ódio, a graça e o pecado, a luz e as trevas. A “glória” do Domingo de Ramos é fugaz, durará enquanto durarem as aclamações da multidão, que nos seus gritos cumpre o que a Escritura previra, mas que no espaço de poucos dias mudará radicalmente o tom das palavras. Os “hosanas” do Domingo de Ramos converter-se-ão em “crucifica-O”, na Sexta-feira Santa. Bem diziam os antigos: “sicuttransit gloria mundi”, a glória do mundo passa rápido!

Jesus não se deixa enganar. Sabe que a eficácia da sua missão independe daaprovação das multidões e dos aplausos que alguns de seus atos possam suscitar. Por isso, cumpre um gesto profético. Entra em Jerusalém montado em um burrinho, no qual ninguém ainda havia montado, conforme narra o Evangelho. Imagem bem diferente dos grandes conquistadores da história antiga que entravam triunfantes nas cidades rendidas ao seu poder em imponentes cavalos de montar.

O nosso Rei quis entrar na história pela porta da humildade: nasceu em Belém, foi imigrante no Egito, viveu em Nazaré, cidade desconhecida no mundo bíblico, realizou sua missão na Galileia dos pagãos e não na grande cidade de Jerusalém, enfim, morreu como um deserdado, fora dos muros da cidade e foi enterrado em um túmulo emprestado por José de Arimateia.

Na vida de cada pessoa Deus prefere entrar pela porta da humildade. Não entra pela porta da frente, mas pelas brechas de nossas traições, de nossas fragilidades, assim como fez com São Pedro, depois de derramar lágrimas amargas de arrependimento. Ele entra humilde e manso em nosso Egito, pois deseja nos libertar de nossas inúmeras escravidões. A glória do Senhor não se confunde com os aplausos das multidões, mas se manifesta nos corações que se abrem e permitem a Deus entrar e colocar neles a graça do Espírito Santo que munda a vida em profundidade. Declara a Escritura que “Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes” (Tg 4, 6)

A recordação da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor que marca o ritmo da Semana Santa e, sobretudo, do Tríduo Pascal (Quinta, Sexta e Sábado Santos), é mais que lembrança. Vamos reviver o drama de Jesus, que é também o drama da humanidade. Na pessoa de Jesus, Deus nos recorda que ela não está destinada a morrer, mas a superar a morte pela força da ressurreição de Jesus.

Em um tempo de tantas despedidas como o nosso, a ressurreição de Jesus nos indica a saída de Deus: a vida. Cada pessoa, dentro de suas possibilidades, aproveite o ritmo das celebrações desses dias para entrar no passo de Deus que nos encaminha sempre para a novidade da vida em Cristo e nos ajuda a deixar sinais de vida onde os discípulos de Jesus se encontram. Uma pausa restauradora nos é proposta nas celebrações desses dias. Assim se renova a vida de fé, assim se renova a vida do mundo. Boa Semana Santa!

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.

Dez referências para (re) humanizar as relações

março 7, 2021 / no comments

Dez referências para (re) humanizar as relações

 

Uma das primeiras coisas que se aprendem na religião cristã, como base até mesmo da reflexão acerca do comportamento moral, é o código de Leis, tradicionalmente chamado de Dez Mandamentos. Muitos de nós nos lembramos da preocupação inicial para aprendê-los de cor, como requisito indispensável da catequese sacramental nas paróquias. Infelizmente, pode se dar o fato de aprender o enunciado dos Dez Mandamentos, mas não aprofundar o sentido teológico e antropológico que eles têm.

Alguns autores, como C.S. Lewis, empenharam-se por mostrar que as grandes civilizações antigas traziam códigos morais em que muitos preceitos coincidiam com a Lei dada por Deus a Moisés para guiar o povo de Israel, mesmo antes da história do povo hebreu. Tal coincidência, segundo muitos autores, pode ser um indício de que essas referências não sejam enunciados de leis arbitrárias, mas correspondam ao que está no íntimo do coração de todo homem e toda mulher.

Os Dez Mandamentos foram na história de Israel mais do que um código de leis. Eles eram um sinal da Aliança que Deus havia feito com o povo. Portanto, Israel sempre teve claro que “antes dos mandamentos de Deus estava o Deus dos mandamentos”, conforme afirmação de São João Paulo II. De fato, no Livro doÊxodo, antes de entregar a Lei a Moisés, Deus diz: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20, 2).

A doação da Lei é parte integrante do processo de libertação do povo. Os Dez Mandamentos apresentam a pauta para uma vida livrede escravidões que degradam a pessoa humana e a aprisionam nos emaranhados de interesses que não visam à plena realização dos ideais humanos.

No Novo Testamento, Jesus retoma essas referências e as aperfeiçoa ao colocar no coração dos mandamentos a lei do amor. Assim, Cristo diz que o primeiro mandamento é amar a Deus e o segundo, é semelhante e tem a ver com o amor ao próximo. Como diz Santo Irineu, “o Senhor prescreveu o amor para com Deus e ensinou a justiça para com o próximo, a fim de que o homem não fosse nem injusto nem indigno diante de Deus” (Contra os hereges, 4).

Os mandamentos falam de uma “ordem” no amor que garante ao ser humano chegar ao ideal de realização de sua humanidade. Percebe-se neles um escalonamento nas relações que abrangem a todas as pessoas. A referência a Deus é a primeira, uma vez que todos somos criaturas suas. Quando essa indicação passa a não estar presente, também as outras relações ficam prejudicadas. Ter Deus como horizonte da vida permite colocar no justo equilíbrio a relação com os outros seres humanos (o próximo) e com toda a realidade criada.

Ensina o Catecismo da Igreja Católica que ao mesmo tempo que os Mandamentos pertencem à Revelação divina, eles “nos ensinam a verdadeira humanidade do homem. Iluminam os deveres essenciais e, portanto, indiretamente, os direitos humanos fundamentais, inerentes à natureza humana” (n. 2070).

A liturgia quaresmal deste 3º domingo da quaresma traz, em uma das leituras, a passagem do Êxodo relativa aos mandamentos (20, 1-17). É uma oportunidade de redescobri-los à luz do amor e do interesse de um Deus que luta com o ser humano pela sua libertação integral e que, por isso, quis deixar-lhes 10 referências para uma vida plena.

Em um mundo tão confuso e hostil, ter essas referências pode colaborar para um processo de “re-humanização” de muitas de nossas relações.

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.