Uma Campanha para o diálogo

fevereiro 21, 2021 / no comments

Uma Campanha para o diálogo

 

Como é costume em nossa Diocese, todos os anos, por ocasião da Quaresma, nos reunimos em uma grande celebração para marcar a abertura da Campanha da Fraternidade. Neste ano, estamos reunidos de outra forma, mas sempre experimentando a mesma intensa comunhão que existe entre nós, através dos diversos representantes, vindos de todos os Regionais da Diocese e também através das redes sociais. Agradeço a sua presença e a você que, desde sua casa, participa conosco deste momento celebrativo e de compromisso.

A Quaresma é “tempo oportuno” para um novo encontro com Deus que, em seu Filho Jesus Cristo, restaura a humanidade, renovando o apelo à conversão. Somos convidados, como Levi, a confiar na misericórdia de Deus que dá sentido e direção à vida e nos faz partilhar com os amigos a alegria do Evangelho, tornando-nos também nós “reconstrutor de ruínas, restaurador de caminhos” (Is 58, 12).

A escuta mais atenta e mais abundante da Palavra de Deus, a oração, a penitência e a prática concreta do amor fraterno nos ajudam a percorrer esse caminho de conversão.

Neste contexto, a Igreja no Brasil nos propõe a Campanha da Fraternidade, “como um auxílio concreto para a vivência deste tempo de preparação para a Páscoa.” (Francisco, Mensagem para a CF 2021).

Com o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, “os fiéis são convidados a «sentar-se a escutar o outro» e, assim, superar os obstáculos de um mundo que é muitas vezes «um mundo surdo». De fato, quando nos dispomos ao diálogo, estabelecemos «um paradigma de atitude receptiva, de quem supera o narcisismo e acolhe o outro» (FT, n. 48). E, na base desta renovada cultura do diálogo está Jesus que, como ensina o lema da Campanha deste ano, «é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade» (Ef 2,14).” (Papa Francisco, ibidem)

Um mundo onde as pessoas se consideram umas às outras como ameaça e não como irmãos é um mundo prestes a desabar, que necessita de “reconstrutor de ruínas, restaurador de caminhos” (Is 58, 12). Quando em vez da abertura ao outro o que vemos são formas diversas de desprestigiar as pessoas por causa de suas escolhas, perdemos, então, o sentido do outro como irmão. Sem a base da fraternidade não se pode construir nenhuma humanidade possível.

A atitude de Jesus no Evangelho, de sentar-se à mesa com os pecadores, nos dá a certeza de que Deus quer que nos aproximemos de todos e que sejamos também pontes para que os que se odeiam, se reconciliem. Pontes e não muros, barreiras. Unir e não dividir. Amar e não julgar, como fez Jesus com Levi, em resposta à dureza dos fariseus.

Estamos a serviço da verdade do Evangelho, por isso, a nossa atitude mais coerente é da abertura do coração. A luz da fé que recebemos não pode nos tornar pessoas arrogantes, mas servidores da alegria de todos, oferecendo a todos a possibilidade da conversão.

O tema do diálogo é de capital importância, começando em nossas próprias famílias, que é o primeiro espaço para aprender a acolher o outro como é, e o outro é sempre diferente e, ao mesmo tempo, dom. Depois, esse mesmo esforço deve se prolongar nas nossas comunidades paroquiais, entre as pessoas que fazem parte de nossos círculos de amizade e convivência e trabalho, com os cristãos de outras Igrejas, e etc.

Na sua encíclica Fratelli Tutti, o Santo Padre, em alguns verbos descreve as atitudes de quem se dispõe a dialogar: “aproximar-se, expressar-se, ouvir-se, olhar-se, conhecer-se, esforçar-se por entender-se, procurar pontos de contato: tudo isso se resume no verbo ‘dialogar’. (FT, 198).

Por se tratar de uma Campanha da Fraternidade Ecumênica, deseja-se que, de fato, aconteça não apenas em nossas Igrejas, mas também em outras comunidades cristãs, senão não teremos cumprido o sentido para que estas campanhas são promovidas como ecumênicas a cada 5 anos.

Procuremos os pontos comuns, baseados no Evangelho e não em ideologias, para juntos cooperarmos na caridade. Este é o sentido da CFE. Não se trata de abrir mão das convicções de nossas tradições, mas de darmos as mãos para, como irmãos, sairmos ao encontro dos mais fragilizados. Se não podemos ainda nos sentar à mesma mesa na Eucaristia, por outro lado, podemos sim partilhar o pão na mesa do pobre ao qual ninguém se interessa. Como lembra o Papa na sua Mensagem, “a fecundidade do nosso testemunho dependerá também de nossa capacidade de dialogar, encontrar pontos de união e os traduzir em ações em favor da vida, de modo especial, a vida dos mais vulneráveis.”

Com esta celebração queremos também confiar ao Senhor o nosso caminho diocesano para a 6ª Semana Social Brasileira que acontecerá até 2022, cujo tema se inspira nas preocupações do Santo Padre pela vida digna dos pobres: “Mutirão pela vida: por terra, teto e trabalho”.

No coração das celebrações da Páscoa ouviremos mais uma vez da boca do Senhor o distintivo dos seus discípulos, como a nossa credencial: “amai-vos como eu vos amei”; “nisto todos saberão que vós sois os meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”.

Irmãos e irmãs, nosso compromisso do amor mútuo e do amor aos mais pobres não parte de opções ideológicas, mas do exemplo e do mandato do nosso próprio Senhor.

Que a próxima celebração da Páscoa, ao renovar em nós a graça batismal, renove também a sintonia do nosso coração com o coração de Cristo e assim ofereçamos ao mundo o testemunho de coerência entre fé e vida de fé.

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.

Quaresma: uma viagem de volta para Deus

fevereiro 17, 2021 / no comments

Quaresma: uma viagem de volta para Deus

 

Começamos hoje, com a Quarta-feira de Cinzas, o tempo sagrado da Quaresma. Como lembrou o Papa Francisco, na liturgia celebrada hoje em Roma, trata-se de “uma viagem de volta para Deus”. Durante quarenta dias, os cristãos católicos são convidados a uma profunda revisão de vida, para aprofundar a conversão, a caminho da Páscoa do Senhor.

É um percurso interior, realizado na sinceridade do próprio coração, que tem suas manifestações exteriores também. A conversão que acontece no íntimo da pessoa tem um reflexo nos ambientes em que se vive, tem sempre um impacto social.

As leituras da Missa de hoje, através do profeta Joel e de São Paulo, trazem um apelo a que voltemos a Deus de todo o coração (Jl 2, 12) e que nos deixemos reconciliar com Deus (2 Cor 5, 20). Jesus, no Evangelho de Mateus, chama a atenção para que fujamos da hipocrisia, cuidando para que as práticas externas da religião sejam coerentes com a fé que se professa interiormente (Mt 6, 1).

Nesta “viagem” somos convidados verificar os nossos caminhos e a perguntar para onde eles nos levam?“Aqui está o centro da Quaresma: para onde está orientado o meu coração? Tentemos saber: Para onde me leva o «navegador» da minha vida, para Deus ou para mim mesmo? Vivo para agradar ao Senhor, ou para ser notado, louvado, preferido, no primeiro lugar e assim por diante? Tenho um coração «dançarino» que dá um passo para a frente e outro para trás, amando ora o Senhor ora o mundo, ou um coração firme em Deus? Sinto-me bem com as minhas hipocrisias ou luto para libertar o coração da simulação e das falsidades que o têm prisioneiro?” (Papa Francisco, Homilia, 17 de fevereiro de 2021)

O “filho pródigo”, é um dos tantos “viajantes” da Sagrada Escritura e nos ensina que não há retorno a Deus sem experiência do perdão.AConfissão dos nossos pecados, “é o primeiro passo da nossa viagem de volta” (Papa Francisco). Através dela, “tornamo-nos, por nossa vez, propagadores do perdão: tendo-o recebido nós próprios, podemos oferecê-lo através da capacidade de viver um diálogo solícito e adotando um comportamento que conforta quem está ferido. O perdão de Deus, através também das nossas palavras e gestos, possibilita viver uma Páscoa de fraternidade.” (Papa Francisco, Mensagem para a Quaresma de 2021).

As cinzas que recebemos, recordam que a viagem terá um fim:ao pó retornaremos! (Gn 3, 19). Mas o Espírito de Deus sopra sobre o pó e nos garante a imortalidade com Cristo, que atravessou a morte humana e a derrotou. Assim, as cinzas se tornam sinais de que queremos nos comprometer com o que faz crescer em nós a verdadeira vida.

A prática da oração, do jejum e da caridade nos garantem não perder o rumo da “viagem”.

Na sua mensagem para a Quaresma deste ano o Papa Francisco sugere uma possível atualização dessas práticas ao dizer que “jejuar significa libertar a nossa existência de tudo o que a atravanca, inclusive da saturação de informações – verdadeiras ou falsas – e produtos de consumo, a fim de abrirmos as portas do nosso coração Àquele que vem a nós pobre de tudo, mas «cheio de graça e de verdade» (Jo 1, 14): o Filho de Deus Salvador.” Por outro lado, recorda que“viver uma Quaresma de caridade significa cuidar de quem se encontra em condições de sofrimento, abandono ou angústia por causa da pandemia da Covid-19. Neste contexto de grande incerteza quanto ao futuro, lembrando-nos da palavra que Deus dera ao seu Servo – «não temas, porque Eu te resgatei» (Is 43, 1) –, ofereçamos, juntamente com a nossa obra de caridade, uma palavra de confiança e façamos sentir ao outro que Deus o ama como um filho.”

Neste contexto quaresmal, a Igreja no Brasil nos oferece o tema do diálogo, compromisso de amor, para uma vivência concreta da caridade entre nós na Campanha da Fraternidade, que neste ano tem o caráter de ecumênica. Sobre isso trataremos em outro momento.

Percorramos com esperança o caminho que nos é proposto, direcionando o coração para o horizonte de Deus que nos oferece sempre vida em abundância (Jo 10, 10)

 

Artigo de Dom Gilson Andrade de Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.