De passagem pela Baixada Fluminense, após passar o último mês de outubro no Vaticano, onde participou como delegado do Brasil no Sínodo para a Pan-Amazônia, dom Evaristo Paschoal Spengler, bispo do Marajó no Pará, participou na tarde desta terça-feira (12) do colóquio ‘Dialogando’. Também presente no Sínodo como auditora, a antropóloga Moema Marques Miranda que é ainda professora do Instituto Teológico Franciscano e assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), acompanhou o bispo no evento realizado na Catedral de Santo Antônio, Centro de Duque de Caxias.
A proposta do encontro foi oferecer aos participantes um panorama geral sobre a realidade amazônica e dos povos indígenas, o processo de construção e realização do Sínodo dos Bispos e os passos que a Igreja dará a partir de agora sobre o tema refletido em comunhão com o Papa Francisco.
Amazônia: um outro mundo
“Antes de tudo preciso manifestar a minha alegria em estar aqui em Duque de Caxias junto a vocês, pois foi aqui que eu aprendi a ser frade franciscano de verdade. Por isso é sempre bom voltar aqui neste lugar onde está também o meu coração”, disse o dom Evaristo antes de inserir os presentes no tema do encontro. Em seguida o bispo falou um pouco sobre a realidade da Prelazia do Marajó e explicou como se deu o início da presença da Igreja Católica na Região Amazônica, quando as diversas Igrejas Particulares da localidade foram confiadas às diversas famílias religiosas, por isso a grande presença de prelazias, pois essas Igrejas muitas vezes dependiam da presença, empenho e até mesmo recursos das congregações. Hoje muitas vem perdendo esse vínculo, principalmente por conseguirem “caminhar com as próprias pernas” e já fazem a transição para se tornarem dioceses e completou, “quando pensava já ter aprendido a ser padre aqui em Duque de Caxias e a ser missionária em Angola, veio Deus e me mandou aprender tudo novamente, pois a Amazônia é uma realidade diferente de tudo o que estamos acostumados. O tempo na Amazônia é diferente. É um outro mundo”.
Dando voz aos que estão às margens
O Sínodo para a Pan-Amazônia foi convocado pelo Papa Francisco no dia 15 de outubro de 2017, após a missa de canonização dos Protomártires do Brasil. Desde lá, um grande processo de construção do sínodo aconteceu. Cerca de 87 mil pessoas foram ouvidas com auxílio das Dioceses e da REPAM, a maior amostragem na história dos sínodos. Essa escuta contemplou pessoas e povos originários de toda a Região Amazônica, que compreende nove Estados brasileiro e nove países do continente americano. Cerca 61% da Pan-Amazônia é brasileira, numa extensão que cobre mais 50% do território nacional. Hoje a região possui mais de trezentos povos indígenas. Dar a voz aos indígenas foi um pedido do próprio pontífice, desde a sua visita apostólica ao Peru, quando se encontrou com representantes dos povos indígenas em Puerto Maldonado.
Sínodo e Laudato Si’
“Não é possível compreender o sínodo sem compreender a Laudato Si’”, para a antropóloga Moema Marques a encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado com a Casa Comum é a chave para entender e colocar em prática as resoluções que sairão do Sínodo para a Pan-Amazônia. “A encíclica tinha que ter um lugar físico e o sínodo era o lugar propício para isso, pois o Sínodo busca novos caminhos para a Igreja e para nós. Para que possamos ressignificar a nossa forma de habitar no planeta e viver na dinâmica de uma ecologia integral. A questão ecológica hoje é também soteriológica, ou seja, faz parte também da nossa salvação”. A auditora sinodal disse ainda, “precisamos cuidar da nossa Terra, com tudo o que estamos produzindo de imundices e destruição, pois, na Casa Comum não existe fora, tudo é aqui dentro. Não se pode convocar um Dia do Fogo num mundo que está em chamas e em pleno aquecimento global”.
Como funciona um sínodo?
O Sínodo é aquilo que o próprio nome significa, um momento para ‘caminhar juntos’, para o Papa Francisco a não há outro jeito de a Igreja ser que não seja sinodal. Este encontro de outubro passado priorizou bispos da Amazônia., mas também teve a presença de representantes de todos os continentes. A abertura do Sínodo se deu na basílica vaticana junto ao túmulo de São Pedro com a invocação ao Espírito Santo e a procissão até a Sala Sinodal onde discursaram o Santo Padre, o Cardeal Lorenzo Baldissere, Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos e o Cardeal Claudio Hummes, presidente da REPAM e Relator-Geral do Sínodo para a Pan-Amazônia. Na sequência foram realizadas as eleições das comissões e a composição dos círculos menores temáticos. “Por ser um espaço privilegiado para a escuta, todos os presentes na sala sinodal, de índios a cardeais da Cúria Romana, tiveram direito de falar por quatro minutos sobre um tema de sua própria escolha que julgasse necessário para a confecção do Relatório Final do Sínodo. Porém, dessa vez o Papa Francisco, movido pelo Espírito sugeriu algo diferente dessa vez. A cada quatro pessoas que falavam era realizado um instante de silêncio de mais quatro minutos para que ecoasse o que os presentes diziam e para que ‘Deus falassse’”, comentou o dom Evaristo, que ainda pontou, “o diferente foi ouvido sempre com muito respeito por todos e acredito ter acontecido dois sínodos distintos, um da sala sinodal e outro que foi noticiado pela imprensa internacional e brasileira”.
Não impedir o novo
Em consonância com o padre sinodal, a professora Moema enfatizou que a lógica do Sínodo era a do não confronto e mesmo tendo pessoas com pensamentos divergentes, não houve ali o rebate. “Isso se deu muito pelo próprio Papa Francisco que dizia, ‘Deus nos colocou aqui para cuidar da terra. Papa diz q a mãe terra é o mais frágil. Todas agridem ela’”. Ela ainda recordou do alerta feito pelo cardeal Hummes antes do encontro, dizia ele: “o Sínodo será um tempo da graça e deve ser também um lugar de oração. Nunca houve e pode não haver outro Sínodo sobre a Amazônia, portanto, o tempo é agora”. Outro ponto destacado por ambos participantes do Sínodo para que o clima transcorresse com respeito e serenidade foi a figura do próprio pontífice. “Em determinado momento o Santo Padre disse aos participantes do Sínodo que estava percebendo algumas polarizações e pediu que deixássemos elas para trás e que deixássemos que o Espirito Santo conduzisse o sínodo, dizia ele que sentia falta de algo e que precisávamos pensar no novo, deixando nossas convicções para que o novo pudesse se revelar. Era preciso deixar fluir a poesia” e novamente recordando as palavras de dom Cláudio, disseram: “Jesus é sempre o mesmo, o novo. E sempre o novo, o mesmo Jesus”.
Uma Igreja Madalena
Ainda não temos uma Exortação Apostólica ou outro documento pontifício sobre o Sínido, mas a Professora Moema Marques falou sobre a novidade que traz o Documento Final do Sínodo para a Pan-Amazônia. Ela destacou o número 22 onde está o termo “Igreja Madalena”, e falou sobre a presença da mulher na Igreja. “Por dois mil anos nós estivemos aqui. Por dois mil anos nós estivemos aos pés da cruz de Jesus e somos as testemunhas da sua Ressurreição. Nós não fomos embora, mesmo quando não nos quiseram. Há dois mil anos nós oramos e sustentamos essa Igreja na fé e também nas lutas. Uma Igreja Madalena é a ressignificação de alguém que foi desvalorizada e demonizada na História. Francisco restituiu essa dignidade à Madalena que hoje é modelo de uma Igreja e tem a sua festa comemorada como um apóstolo˜.
Símbolo e compromisso
Concluindo o encontro dom Evaristo e dom Tarcisio abençoaram uma muda de Ipê que será plantada como símbolo desse encontro ‘Dialogando’ e como compromisso da diocese de Duque de Caxias para fazer da Casa Comum um melhor lugar para se viver. Onde todas as vidas importem.