Referências para um ano novo melhor
O fim do ano nos motiva a agradecer e também a fazer uma retrospectiva pessoal e social do ano que termina. O passar dos anos nos faz perguntar sobre “quem estou me tornando?”. O modo como respondemos aos acontecimentos revela muito de nós.
O grande psiquiatra austríaco, Viktor Frankl (1905-1997), fundador da terceira escola vienense de psicoterapia, a Logoterapia e a Análise Existencial, depois de ter passado e sobrevivido a quatro campos de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial, testemunhou que dentro dos campos viu homens se transformarem em anjos e outros, em demônios. Tinha clara convicção de que o espaço da liberdade que fica preservado, mesmo nas situações mais extremas. As circunstâncias podem condicionar, mas nunca são determinantes.
Ao findar um ano somos colocados diante de nós mesmos, das pessoas que estão perto de nós e também do momento histórico difícil que nos corresponde viver. Como dizia Ortega y Gasset: “eu sou eu e as minhas circunstâncias”.
Responder à pergunta sobre “quem eu estou me tornando diante dos fatos que vivo”, me ajuda a reconhecer que minhas escolhas pessoais não são indiferentes.Elas me fazem e me tornam responsável perante os outros. No entanto, para responder com sinceridade é preciso confrontar-se com alguém, com uma referência.
A referência fundamental da vida é Deus. Um Deus que, em Cristo, se revelou, falou sobre si e sobre o ser humano e se mostrou autêntico, próximo, bondoso e amigo de toda pessoa humana. O Concílio Vaticano II, na Gaudium et Spes 22, lembra que “Cristo revela o homem ao próprio homem”. Ele viveu nossa vida com seus dramas e se apresentou como caminho, verdade e vida.
Terminando um ano e começando outro buscamos saídas diante das encruzilhadas.Há escolhas equivocadas. Escolher a morte, por exemplo, como no caso da decisão recente do parlamento argentino a favor do aborto, nunca pode dar esperança à humanidade, ao contrário, é presságio de dias piores, pois a resposta violenta é sempre destrutiva e a morte do inocente indefeso é a pior das violências. Para sair da crise antropológica que estamos enfrentando, a referência a Cristo traz luzes sempre novas. As vacinas para o covid19 representam um ponto de luz, mas não podem oferecer solução ao drama da existência humana tão acentuado nestes tempos. Afinal, a vida humana não tem a ver só com saúde física, mas também com relações, sentido, amor, sacrifício, transcendência, Deus, etc.
Para nós cristãos, a fé aponta para Cristo como esperança certa de uma humanidade nova, “Ele é a nossa paz” (Ef 2, 14). Nele somos filhos de Deuse, consequentemente, irmãos uns dos outros. Encontrar Deus, a si e aos outros é determinante para fazer de cada tempo uma nova oportunidade para a humanidade.
As palavras de São Paulo VI, na sua carta comemorativa dos 80 anos da encíclica Rerum Novarum são propositivas: “Convém que cada um se examine para ver o que fez até agora e o que deve ainda fazer. Não basta recordar princípios gerais, manifestar propósitos, condenar as injustiças graves, proferir denúncias com certa audácia profética; tudo isso não terá peso real se não se fizer acompanhar em cada homem de uma tomada de consciência mais viva da sua própria responsabilidade e de uma ação efetiva. É demasiado fácil lançar sobre os outros a responsabilidade das injustiças presentes, se ao mesmo tempo não se percebe que todos somos igualmente responsáveis, e que, portanto, a primeira das exigências é a conversão pessoal” (Octagesima adveniens, n. 48).
Terminar um ciclo e começar outro representam uma bela oportunidade de revisão do caminho percorrido e de propósitos concretos para a conversão pessoal, tão necessária para uma mudança em nível global. Com a esperança de que o Senhor caminha conosco queremos começar o novo ano e empenhar-nos pessoalmente na construção do mundo sonhado por Deus. Feliz Ano Novo!
Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.