Chorar com os que choram

setembro 16, 2019 / no comments

O dia 15 de setembro, no calendário das celebrações litúrgicas da Igreja católica, faz-se memória de Nossa Senhora da Piedade, ou também, Nossa Senhora das Dores. A cidade de Nova Iguaçu teve sua origem junto à capela dedicada a Nossa Senhora da Piedade que, em 1699, o alferes José Dias de Araújo construiu, à margem direita do rio Iguaçu. Em 1719, Iguaçu foi elevada à Freguesia Curada, podendo assim contar com assistência religiosa mais estável de um sacerdote. Neste ano de 2019, portanto, contam-se 300 anos deste fato que se situa entre os marcos da história da região. Em 1833, com a criação da Vila de Iguaçu, Nossa Senhora da Piedade é nomeada padroeira do novo município. Com a criação da Diocese em 1960, ela se torna co-padroeira da Diocese, tendo Santo Antônio o lugar do Padroeiro.

A imagem de Nossa Senhora da Piedade é de grande inspiração para as mulheres e os homens de todos os tempos. Ela manifesta a proximidade de Maria ao mistério da Cruz do seu Filho. Junto à cruz de Jesus estava a sua Mãe, nos conta o evangelista São João (Jo 19, 25). A expressão do olhar da mulher que recebe o Filho morto em seus braços, revela algo que é mais forte que a dor: o seu amor materno que olha para o Filho e que sabe transcender a sua dor, sendo solidária ao sofrimento de toda a humanidade. Maria sabe que a causa das dores do seu Filho e de sua morte se encontra no pecado que separa o homem de Deus e o aliena num mundo construído à revelia do projeto de amor que o Criador pensou para ele. Sabe que a humanidade que se distancia de Deus e de seu projeto acaba por reproduzir mais dores. Por isso, ela se coloca ao lado dos que sofrem e sabe chorar com os que choram (Rm 12, 15).

Nosso mundo continua trazendo em si tantas marcas de sofrimentos e dores. Nesta última semana presenciamos tragédias muito próximas a nós que nos comoveram e nos colocaram diante da pergunta sobre o sentido da existência humana e da dor. Também nestes casos não nos paralisamos nas perguntas, mas tentamos, como Maria, transcender a dor em tantos gestos de solidariedade que se multiplicaram e ainda se multiplicam, alguns, inclusive, verdadeiramente heroicos. A marca da dor atravessa a história da humanidade e os nossos dias não escapam da sua presença. Recentemente, lendo o diário de Etty Hillesum, uma judia morta no campo de concentração de Auschwitz, no ano de 1943, deparei-me com uma afirmação surpreendente, na boca de alguém que percebia que a morte estava à espreita. Ela conta que de repente lhe veio este pensamento: “sempre haverá sofrimento, na realidade o que importa é a razão pela qual a pessoa sofre”. A dor não é a última palavra. Até mesmo ela pode ser transfigurada quando há uma razão que seja capaz de superar o seu peso e de dar sentido ao sofrimento porque se está passando. E nada é suficientemente forte para superar a dor senão o amor. Como lembra o livro bíblico do Cânticos dos Cânticos: “o amor é mais forte do que a morte” (8, 6).

Na imagem de Nossa Senhora da Piedade a dor é transfigurada pelo amor de uma mãe. Cristo também, com o seu amor deu sentido a uma morte que, de trágica, se tornou capaz de ir até o extremo da doação de amor, manifestação de um amor que não se impõe limites. Nós cristãos cremos que este amor foi o que salvou o mundo. Como Cristo e como Maria somos chamados a colocar-nos do lado dos sofredores do nosso tempo, tornando-nos solidários, ajudando-os a carregar a cruz, como novos Cirineus, sabendo chorar com os que choram, ajudando nossos irmãos a transfigurar a dor em amor.

 

Artigo de dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu (RJ)

Um bestseller insuperável

setembro 3, 2019 / no comments

Na vida ninguém nega que saber começar é algo que conta. De uma certa forma podemos dizer que tudo depende dos começos. Há motivações iniciais que dão impulso a toda a vida e levam a pessoa a caminhos que antes ela sequer podia suspeitar. Hoje começamos um novo mês, o mês de setembro. A Igreja Católica no Brasil tem se servido do ritmo dos meses do ano para valorizar algumas temáticas centrais da experiência de fé. Assim, o mês de maio é dedicado a Nossa Senhora, o mês de junho, ao Coração de Jesus, e etc. O mês de setembro foi reservado para um olhar de aprofundamento nas Sagradas Escrituras, é o mês da Bíblia. No final desse mês vamos celebrar a memória litúrgica de São Jerônimo, patrono dos que se dedicam ao estuda da Bíblia e ele também um dos maiores expoentes do cristianismo sobre esse assunto.

Considerada o maior bestseller de todos os tempos, a Bíblia é sempre atual, parece ter sido escrita hoje, pois continua a oferecer luzes para os dias que vivemos. A simplicidade de suas respostas vem ao encontro da busca dos homens e mulheres de todos os tempos. Nas suas páginas se esconde a sabedoria divina que Deus distribui com fartura aos simples de coração. Uma sabedoria não teórica, mas prática que ilumina as diversas situações a que está exposta a vida do ser humano.

A sua atualidade corresponde à perenidade de um Amor sempre novo que se dá aos seres humanos no ritmo dos acontecimentos da história. Deus nos quis encontrar nos nossos afazeres, no dia a dia da vida da família e do trabalho, na construção de sonhos e projetos, coisas muito normais na vida de qualquer pessoa. Por isso, a Bíblia é um livro do cotidiano. Desde o princípio foi neste contexto que a Palavra de Deus nos foi dirigida, em situações muito semelhantes àquelas que todos nós passamos, nas alegrias e nas dores, nas vitórias e nas derrotas. Assim, com muita facilidade, nos identificamos com os fatos e os personagens. Precisamente na vida, como de fato ela é na realidade, a Bíblia narra a intervenção de Deus que oferece um amor que salva.

A história contemporânea, como a dos homens e mulheres da Bíblia, precisa urgentemente de experimentar um amor como aquele que vem narrado nas páginas sagradas. Os grandes personagens bíblicos se eternizaram por terem feito a experiência de se deixarem tocar por esse amor que, primeiramente, mudou suas vidas, mas que, a seguir, foi fazendo suas revoluções nas pessoas que estavam junto deles. Este mesmo amor é oferecido a cada pessoa humana, não é coisa do passado, pois como diz a Carta aos Hebreus, «a Palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante que uma espada de dois gumes» (4, 12). A força da Escritura chega aos corações e, quando esses se abrem à sua ação, recebem uma reorientação vital que enche de sentido novo tudo o que a pessoa é e faz.

Sendo Palavra viva de Alguém, ela requer escuta, atenção, docilidade. Portanto, o clima favorável para acolher o seu vigor é a oração. É preciso pedir ao Senhor, como Salomão, um coração capaz de escutar (1Rs 3, 9). Só na intimidade com Jesus Cristo se pode penetrar no sentido profundo da Escritura. De que falam as Escrituras senão dele? Não se trata de um livro meramente de estudos, é muito mais que isso. Neste sentido, o Concílio Vaticano II ensinou que ela deve ser lida e interpretada com o mesmo Espírito com que foi escrita (cf. Dei Verbum, n. 12). Frequentando a Palavra de Deus escrita sob a moção do Espírito Santo e orientados pelo Magistério da Igreja, autêntico intérprete das Escrituras, teremos acesso às riquezas do Coração de Deus para as pessoas de todos os tempos. Que nesse mês nos aproximemos desta fonte onde Deus faz jorrar seus rios de água viva.

 

Artigo de dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu (RJ)