A Páscoa e as noites da história
No domingo de Páscoa iremos à Missa, cada um da maneira que puder. Uns presencialmente, outros, através de alguma transmissão por causa da pandemia, mas o normal é que nós cristãos católicos reservamos o domingo de Páscoa para a participação presencial na Santa Missa.
Um costume iniciado por aqueles que tiveram a alegria de encontrar o Senhor ressuscitado e que se tornou um legado para todas as gerações cristãs. Os cristãos vivem do Dia do Senhor (o Domingo), porque vivem da sua Palavra e do seu Pão eucarístico. Os mártires de Abissínia (África), no século IV, durante a severa perseguição de Diocleciano, presos por terem participado de uma Missa dominical, enquanto sofriam as torturas que os levariam ao martírio gritaram: “Sine dominico non possumus” (“Não podemos viver sem o dia do Senhor”).
Este domingo da Páscoa, e cada domingo, é memória viva, não apenas vaga recordação, do dia da ressurreição do Senhor. Ele traz a força de renovar todas as coisas, de reconciliar a humanidade com Deus, com o cosmos e com os seres humanos entre si. É o dia da renovação da criação que, depois, é atualizada, toma corpo, no cotidiano da vida. Trata-se de um dia da semana que renova as forças e as esperanças e nos oferece “pernas” para correr pelos caminhos da vida com a fé sempre acesa, iluminando tudo e todos.
Foi assim naquele primeiro domingo de Páscoa que hoje recordamos. Diz São João que Maria Madalena foi ao sepulcro quando ainda estava escuro (Jo 20, 1). Não se trata apenas de uma constatação temporal. Nesta sua ida, ela se depara com a surpresa de Deus. Mesmo se está escuro, se o dia ainda não amanheceu, o “Sol da justiça”, Jesus, vem ao nosso encontro. Ele se torna presente à humanidade mesmo se tudo ao nosso redor é noite. Deus caminha ao nosso lado nas noites da história.
É verdade que nos sentimos mergulhados em uma grande noite. As notícias que ouvimos e o que presenciamos perto de nós nos preocupam e nos tentam para o medo. Mas é Páscoa, a luz de Deus surpreendentemente irrompe na noite e a Vida se impõe como vencedora da morte.
São Paulo vai exclamar: “Ó morte, onde está a tua vitória?” (1 Cor 15, 55). A Igreja, na Sequência da Liturgia deste domingo vai cantar: “Morte e vida duelam”; “Duelam forte e mais forte. É a vida que enfrenta a morte. O Rei da vida, cativo, é morto, mas reina vivo!”.
Maria Madalena caminha na noite, mas retorna aos seus com uma luz inesperada. Constata que a grande pedra, rolada à entrada do túmulo, foi retirada. Não foi ela que o fez. Está escuro, mas o obstáculo desapareceu. Deus não deixa de nos dar sinais de sua presença e, assim, animar a nossa esperança.
A Madalena se agarra a esse “fiapo” de esperança e começa uma corrida: “saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o discípulo que Jesus amava” (Jo 20, 2). Os dois apóstolos, por sua vez, também eles se lançaram numa corrida para percorrer o mesmo itinerário da Madalena e constatar o fato mais importante da história, a Ressurreição de Jesus.
A Ressurreição não é uma simples crença, mas um fato que deixou marcas de uma esperança certa na história. Deus venceu a noite e fez surgir o “Sol da justiça” para sempre.
Neste momento difícil que estamos atravessando, como Madalena e os Apóstolos precisamos “correr” ao encontro de quem pode estar perdendo a esperança e oferecer com humildade, mas sem medo, a luz da fé na Ressurreição que livra a vida da falta de sentido e garante vida nova. Hoje Deus está a visitar a noite da nossa história, demos espaço para a esperança que só Ele pode nos trazer.
Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.