Ano novo com a família

dezembro 28, 2019 / no comments

Dentro das comemorações natalinas, este domingo, o último do ano, é marcado pela celebração litúrgica da Sagrada Família de Jesus, Maria e José. Recordaremos nas leituras as constantes intervenções de São José a favor da defesa e da segurança da família que Deus lhe confiara e também as palavras tocantes do Sirácida, que elogia quem honra seus familiares. “Quem respeita a sua mãe ajunta tesouros […] quem honra o seu pai terá alegria com seus próprios filhos; e, no dia em que orar, será atendido[…]terá vida longa”(Eclo 3, 5-7).

Esta recordação nos oferece a oportunidade de falar mais uma vez sobre a família. Nunca é demais refletir sobre o seu papel, embora seus desafios nos tempos atuais não sejam poucos. Aliás, penso que quanto mais desafiador seja a vida em família, mais necessária ela se torna. Da maneira como ela se posiciona em cada tempo, dependem rumos importantes da vida humana em cada geração.

Como célula primordial da sociedade, a família desempenha um papel importantíssimo e insubstituível na história da humanidade. O Papa São João Paulo II afirmava que o futuro da humanidade passa pela família. Quando se pretende pensar uma sociedade sem essa referência primeira, corre-se sempre o risco real de não se consolidar uma experiência comunitária que corresponda às reais necessidades da natureza humana e ceder à tentação do egoísmo e do individualismo.

Sei que hoje falar de “natureza” é “atentar” contra alguns paradigmas teóricos questionáveis que tentam desconstruir as grandes conquistas da experiência e do pensamento de todos os tempos e que nos fizeram chegar até aqui entre erros e acertos. Mas existem constantes da vivência humana que não podem ser negadas.

Lembro-me de um dos famosos livros de C. S. Lewis, A abolição do homem, onde ele se detinha em fazer um levantamento dos princípios éticos de várias culturas milenares e demonstrava ali a coincidência de elementos comuns às diversas civilizações, nos diversos séculos. Com isso, o autor das Crônicas de Nárnia, pretendia apresentar argumentos positivos sobre valores que representam constantes na própria estrutura interna e social de todos os seres humanos, independentemente de tempo ou lugar.

Mas interessa-nos, mais que exposições teóricas, encontrar os caminhos para uma autêntica realização familiar. Um novo ano sugere sempre metas novas. Não há fórmulas prontas, em se tratando desse assunto, pois a vida da família tem a ver com as relações.

Quando um homem e uma mulher se casam, na celebração do sacramento do matrimônio eles se dizem “eu te recebocomo meu esposo…como minha esposa”. A dinâmica da abertura constante para o outro totalmente diferente de mim está na base das relações familiares. Receber o outro e ser recebido por ele, ser capaz de doar-se e acolher o dom, aqui se realiza toda a trama das relações familiares. Só na abertura ao outro se pode entender o que é a família, por isso podem ser sempre novas as relações dentro da mesma família. Assim, a família é um antídoto fabuloso para levar à superação do egoísmo que adoece de forma tão dramática a nossa sociedade.

Uma belo caminho de realização familiar encontramos nas palavras do apóstolo Paulo, no famosos hino ao amor: “o amor é paciente, o amor é prestativo; não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, nem guarda ressentimento, não se alegra com a injustiça,mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13, 4-7).  Uma bela meta para o novo ano que vamos inaugura. Feliz Ano Novo!

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB

Em família defendemos a vida

setembro 30, 2019 / no comments

Nas últimas semanas o tema da vida tem estado no foco de muitas notícias veiculadas nos meios de comunicação e nas mídias sociais. O repetir de ações violentas contra crianças e jovens, a depressão e o suicídio, a mutação climática, são temas recorrentes que colocam a preocupação pelo valor e o cuidado da vida no centro das atenções. Diante da banalização da vida humana continua sendo urgente anunciar o evangelho da vida. Na primeira página da Sagrada Escritura, no Antigo Testamento, já se anuncia a bondade e a beleza de tudo o que Deus fez, mas sobretudo, a prioridade de um ser humano, ao afirmar que, após criar o homem e a mulher, “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1, 31). No Novo Testamento, a primeira página do Evangelho canta a vida ao começar com a notícia de uma maternidade, aquela de Maria, a Mulher que gera um Filho que é a Vida (Lc 1, 31).

Deus é autor da vida e, portanto, amigo do ser humano. Ele cuida de nós. Somos também chamados a celebrar a vida e a defendê-la. Na primeira semana de outubro, vamos celebrar a Semana Nacional da Vida, instituída em 2005, na 43ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil que terá sua culminância no Dia do Nascituro, dia 8 de outubro. Neste ano, o tema “em família defendemos a vida”, indica como a família é o ambiente mais adequado para a proteção de uma vida humana, ela é a primeira responsável pelo cuidado permanente da vida e garantidora dos autênticos valores que favorecem o seu desenvolvimento integral.

A vida humana, desde a sua origem na fecundação até o seu fim natural, é sempre um dom que deve ser reconhecido e protegido. As ameaças são muitas, por isso, iniciativas como a Semana Nacional da Vida geram oportunidades para despertar-nos sobre o nosso compromisso concreto de trabalhar pelo direito à proteção da vida e à saúde, à alimentação, ao respeito e a um nascimento digno.

Na carta programática do seu pontificado, chamada “A Alegria do Evangelho”, o Papa Francisco reserva palavras contundentes sobre o empenho da Igreja na valorização da vida humana, começando pelo ser humano mais frágil de todos, o nascituro, ou seja, aquele que há de nascer e ainda se encontra na barriga da mãe. Diz assim o Papa: “entre os seres frágeis, de que a Igreja quer cuidar com predileção, estão também os nascituros, os mais inermes e inocentes de todos, a quem hoje se quer negar a dignidade humana para poder fazer deles o que apetece, tirando-lhes a vida e promovendo legislações para que ninguém o possa impedir. Muitas vezes, para ridicularizar jocosamente a defesa que a Igreja faz da vida dos nascituros, procura-se apresentar a sua posição como ideológica, obscurantista e conservadora; e no entanto esta defesa da vida nascente está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano. Supõe a convicção de que um ser humano é sempre sagrado e inviolável, em qualquer situação e em cada etapa do seu desenvolvimento. É fim em si mesmo, e nunca um meio para resolver outras dificuldades. Se cai esta convicção, não restam fundamentos sólidos e permanentes para a defesa dos direitos humanos, que ficariam sempre sujeitos às conveniências contingentes dos poderosos de turno” (nº213).

Quando a vida do mais frágil não é respeitada a tendência é desrespeitar toda e qualquer vida humana e também não cuidar do ambiente no qual a pessoa encontra o lugar propício para a vida. Madre Teresa, defensora da vida, sabia muito bem disso. Por isso, falando sobre o aborto afirmou: “se nós aceitamos que uma mãe possa matar seu próprio filho, como é que nós podemos dizer às outras pessoas para não se matarem?” É hora de enfrentarmos a cultura da morte que nos rodeia com novas posturas. As pessoas não são meros instrumentos umas nas mãos das outras, mas sim dom que se acolhe e que se ama, independentemente de qualquer coisa. A família deve continuar sendo o lugar do aprendizado da valorização de cada um pelo que se é. Nossas comunidades eclesiais, empenhadas no anúncio do Evangelho e no cuidado das pessoas, podem também ser geradoras de novas relações que coloquem no seu devido lugar o respeito ao sagrado dom da vida de todo ser humano. Que a celebração da Semana Nacional da Vida faça parte da nossa contribuição concreta para uma nova cultura de valorização da vida.

 

Artigo de dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu