Uma Campanha para o diálogo
Como é costume em nossa Diocese, todos os anos, por ocasião da Quaresma, nos reunimos em uma grande celebração para marcar a abertura da Campanha da Fraternidade. Neste ano, estamos reunidos de outra forma, mas sempre experimentando a mesma intensa comunhão que existe entre nós, através dos diversos representantes, vindos de todos os Regionais da Diocese e também através das redes sociais. Agradeço a sua presença e a você que, desde sua casa, participa conosco deste momento celebrativo e de compromisso.
A Quaresma é “tempo oportuno” para um novo encontro com Deus que, em seu Filho Jesus Cristo, restaura a humanidade, renovando o apelo à conversão. Somos convidados, como Levi, a confiar na misericórdia de Deus que dá sentido e direção à vida e nos faz partilhar com os amigos a alegria do Evangelho, tornando-nos também nós “reconstrutor de ruínas, restaurador de caminhos” (Is 58, 12).
A escuta mais atenta e mais abundante da Palavra de Deus, a oração, a penitência e a prática concreta do amor fraterno nos ajudam a percorrer esse caminho de conversão.
Neste contexto, a Igreja no Brasil nos propõe a Campanha da Fraternidade, “como um auxílio concreto para a vivência deste tempo de preparação para a Páscoa.” (Francisco, Mensagem para a CF 2021).
Com o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, “os fiéis são convidados a «sentar-se a escutar o outro» e, assim, superar os obstáculos de um mundo que é muitas vezes «um mundo surdo». De fato, quando nos dispomos ao diálogo, estabelecemos «um paradigma de atitude receptiva, de quem supera o narcisismo e acolhe o outro» (FT, n. 48). E, na base desta renovada cultura do diálogo está Jesus que, como ensina o lema da Campanha deste ano, «é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade» (Ef 2,14).” (Papa Francisco, ibidem)
Um mundo onde as pessoas se consideram umas às outras como ameaça e não como irmãos é um mundo prestes a desabar, que necessita de “reconstrutor de ruínas, restaurador de caminhos” (Is 58, 12). Quando em vez da abertura ao outro o que vemos são formas diversas de desprestigiar as pessoas por causa de suas escolhas, perdemos, então, o sentido do outro como irmão. Sem a base da fraternidade não se pode construir nenhuma humanidade possível.
A atitude de Jesus no Evangelho, de sentar-se à mesa com os pecadores, nos dá a certeza de que Deus quer que nos aproximemos de todos e que sejamos também pontes para que os que se odeiam, se reconciliem. Pontes e não muros, barreiras. Unir e não dividir. Amar e não julgar, como fez Jesus com Levi, em resposta à dureza dos fariseus.
Estamos a serviço da verdade do Evangelho, por isso, a nossa atitude mais coerente é da abertura do coração. A luz da fé que recebemos não pode nos tornar pessoas arrogantes, mas servidores da alegria de todos, oferecendo a todos a possibilidade da conversão.
O tema do diálogo é de capital importância, começando em nossas próprias famílias, que é o primeiro espaço para aprender a acolher o outro como é, e o outro é sempre diferente e, ao mesmo tempo, dom. Depois, esse mesmo esforço deve se prolongar nas nossas comunidades paroquiais, entre as pessoas que fazem parte de nossos círculos de amizade e convivência e trabalho, com os cristãos de outras Igrejas, e etc.
Na sua encíclica Fratelli Tutti, o Santo Padre, em alguns verbos descreve as atitudes de quem se dispõe a dialogar: “aproximar-se, expressar-se, ouvir-se, olhar-se, conhecer-se, esforçar-se por entender-se, procurar pontos de contato: tudo isso se resume no verbo ‘dialogar’. (FT, 198).
Por se tratar de uma Campanha da Fraternidade Ecumênica, deseja-se que, de fato, aconteça não apenas em nossas Igrejas, mas também em outras comunidades cristãs, senão não teremos cumprido o sentido para que estas campanhas são promovidas como ecumênicas a cada 5 anos.
Procuremos os pontos comuns, baseados no Evangelho e não em ideologias, para juntos cooperarmos na caridade. Este é o sentido da CFE. Não se trata de abrir mão das convicções de nossas tradições, mas de darmos as mãos para, como irmãos, sairmos ao encontro dos mais fragilizados. Se não podemos ainda nos sentar à mesma mesa na Eucaristia, por outro lado, podemos sim partilhar o pão na mesa do pobre ao qual ninguém se interessa. Como lembra o Papa na sua Mensagem, “a fecundidade do nosso testemunho dependerá também de nossa capacidade de dialogar, encontrar pontos de união e os traduzir em ações em favor da vida, de modo especial, a vida dos mais vulneráveis.”
Com esta celebração queremos também confiar ao Senhor o nosso caminho diocesano para a 6ª Semana Social Brasileira que acontecerá até 2022, cujo tema se inspira nas preocupações do Santo Padre pela vida digna dos pobres: “Mutirão pela vida: por terra, teto e trabalho”.
No coração das celebrações da Páscoa ouviremos mais uma vez da boca do Senhor o distintivo dos seus discípulos, como a nossa credencial: “amai-vos como eu vos amei”; “nisto todos saberão que vós sois os meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”.
Irmãos e irmãs, nosso compromisso do amor mútuo e do amor aos mais pobres não parte de opções ideológicas, mas do exemplo e do mandato do nosso próprio Senhor.
Que a próxima celebração da Páscoa, ao renovar em nós a graça batismal, renove também a sintonia do nosso coração com o coração de Cristo e assim ofereçamos ao mundo o testemunho de coerência entre fé e vida de fé.
Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.