A Páscoa e as noites da história

abril 4, 2021 / no comments

A Páscoa e as noites da história

 

No domingo de Páscoa iremos à Missa, cada um da maneira que puder. Uns presencialmente, outros, através de alguma transmissão por causa da pandemia, mas o normal é que nós cristãos católicos reservamos o domingo de Páscoa para a participação presencial na Santa Missa.

Um costume iniciado por aqueles que tiveram a alegria de encontrar o Senhor ressuscitado e que se tornou um legado para todas as gerações cristãs. Os cristãos vivem do Dia do Senhor (o Domingo), porque vivem da sua Palavra e do seu Pão eucarístico. Os mártires de Abissínia (África), no século IV, durante a severa perseguição de Diocleciano, presos por terem participado de uma Missa dominical, enquanto sofriam as torturas que os levariam ao martírio gritaram: “Sine dominico non possumus” (“Não podemos viver sem o dia do Senhor”).

Este domingo da Páscoa, e cada domingo, é memória viva, não apenas vaga recordação, do dia da ressurreição do Senhor. Ele traz a força de renovar todas as coisas, de reconciliar a humanidade com Deus, com o cosmos e com os seres humanos entre si. É o dia da renovação da criação que, depois, é atualizada, toma corpo, no cotidiano da vida. Trata-se de um dia da semana que renova as forças e as esperanças e nos oferece “pernas” para correr pelos caminhos da vida com a fé sempre acesa, iluminando tudo e todos.

Foi assim naquele primeiro domingo de Páscoa que hoje recordamos. Diz São João que Maria Madalena foi ao sepulcro quando ainda estava escuro (Jo 20, 1). Não se trata apenas de uma constatação temporal. Nesta sua ida, ela se depara com a surpresa de Deus. Mesmo se está escuro, se o dia ainda não amanheceu, o “Sol da justiça”, Jesus, vem ao nosso encontro. Ele se torna presente à humanidade mesmo se tudo ao nosso redor é noite. Deus caminha ao nosso lado nas noites da história.

É verdade que nos sentimos mergulhados em uma grande noite. As notícias que ouvimos e o que presenciamos perto de nós nos preocupam e nos tentam para o medo. Mas é Páscoa, a luz de Deus surpreendentemente irrompe na noite e a Vida se impõe como vencedora da morte.

São Paulo vai exclamar: “Ó morte, onde está a tua vitória?” (1 Cor 15, 55). A Igreja, na Sequência da Liturgia deste domingo vai cantar: “Morte e vida duelam”; “Duelam forte e mais forte. É a vida que enfrenta a morte. O Rei da vida, cativo, é morto, mas reina vivo!”.

Maria Madalena caminha na noite, mas retorna aos seus com uma luz inesperada. Constata que a grande pedra, rolada à entrada do túmulo, foi retirada. Não foi ela que o fez. Está escuro, mas o obstáculo desapareceu. Deus não deixa de nos dar sinais de sua presença e, assim, animar a nossa esperança.

A Madalena se agarra a esse “fiapo” de esperança e começa uma corrida: “saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o discípulo que Jesus amava” (Jo 20, 2). Os dois apóstolos, por sua vez, também eles se lançaram numa corrida para percorrer o mesmo itinerário da Madalena e constatar o fato mais importante da história, a Ressurreição de Jesus.

A Ressurreição não é uma simples crença, mas um fato que deixou marcas de uma esperança certa na história. Deus venceu a noite e fez surgir o “Sol da justiça” para sempre.

Neste momento difícil que estamos atravessando, como Madalena e os Apóstolos precisamos “correr” ao encontro de quem pode estar perdendo a esperança e oferecer com humildade, mas sem medo, a luz da fé na Ressurreição que livra a vida da falta de sentido e garante vida nova. Hoje Deus está a visitar a noite da nossa história, demos espaço para a esperança que só Ele pode nos trazer.

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.

As eleições e os pobres

novembro 15, 2020 / no comments

As eleições e os pobres

Pelo 4º ano consecutivo, acolhemos a proposta do Papa Francisco de celebrar o Dia Mundial dos Pobres, que este ano tem como tema a exortação de Ben Sirac: “estende a tua mão para o pobre”(Eclo 7, 32). Trata-se de uma iniciativa inspirada pela celebração do Jubileu da Misericórdia (anos 2015-2016) e que ocorre sempre no domingo anterior à celebração da solenidade de Cristo Rei do Universo.

Em nossa Diocese de Nova Iguaçu fomos ao longo da semana, testemunhando nas redes sociais como, concretamente, temos estendido as mãos para a pobreza que se manifesta nos rostos de crianças, adolescentes, jovens, idosos, famílias e na área da saúde. O Dia dos Pobres nos compromete com eles não apenas um dia, mas é um compromisso que, por força da própria experiência de fé, assumimos todos os dias.

No Evangelho, quando Judas reclama com Jesus da atitude da mulher, que quebrara um frasco de alabastro, contendo perfume raro e caro, para ungir os pés de Jesus em vez de oferecer o dinheiro aos pobres, ele respondeu: “pobres sempre tereis convosco” (Jo 12, 8). A palavra do Mestre é comprovada pela própria experiência da Igreja, que sempre procurou acolher, em meio às vicissitudes da história, o conselho de São Pedro a São Paulo de “não esquecer dos pobres” (Gal 2, 10).

Na Mensagem do Papa Francisco para esta ocasião, recorda-se que “a pobreza assume sempre rostos diferentes, que exigem atenção a cada condição particular: em cada uma destas, podemos encontrar o Senhor Jesus, que revelou estar presente nos seus irmãos mais frágeis (cf. Mt 25, 40)”.

O tema deste ano é uma proposta bem concreta: estender a mão. Trata-se de “um sinal que apela imediatamente à proximidade, à solidariedade, ao amor” (Francisco). O encontro com uma pessoa em situação de especial pobreza não pode continuar a nos deixar indiferentes. Ao contrário, conforme insiste o Papa na sua mensagem, o “clamor silencioso de tantos pobres deve encontrar o povo de Deus na vanguarda, sempre e em toda parte, para lhes dar voz, defendê-los e solidarizar-se com eles face a tanta hipocrisia e tantas promessas não cumpridas, e para os convidar a participar na vida da comunidade”.

Uma consciência reta necessariamente se coloca perguntas diante de situações que privam o irmão de sua dignidade mais elementar: “Como podemos contribuir para eliminar ou pelo menos aliviar a sua marginalização e o seu sofrimento? Como podemos ajudá-lo na sua pobreza espiritual?”

Este ano a celebração coincidiu, no Brasil, com as eleições municipais. Uma feliz coincidência,pois pode oportunizarum examedeconsciência, tanto para eleitores como para os que se apresentam como candidatos para mais este pleito eleitoral, sobre o lugar dos pobres nas nossas escolhas.

Na mensagem dos Bispos católicos do Estado do Rio lembrou-se que o contexto atual “exige atitudes políticas novas, capazes de repensar o serviço à cidade com modalidades mais eficientes, priorizando políticas públicas que defendam a vida na sua totalidade (família, saúde, educação, moradia, segurança, ambiente, etc.).”Por isso, pede-se que se considere o compromisso dos candidatos “com os reais interesses da cidade, especialmente para com os mais pobres e vulneráveis.”

Afinal, “a escolha dos prefeitos e vereadores pode ser determinante para processos de superação de desigualdade social e melhor qualidade de vida para todos.”

Neste 15 de novembro nos sentimos ainda mais comprometidos com o destino de todos, mas particularmente dos pobres e esquecidos de nossa sociedade. Ser cristão é também comprometer-se com os rumos da sociedade, pois somos todos irmãos, filhos de um mesmo Pai.

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.