Acender uma luz

dezembro 1, 2019 / no comments

Conta-se que um homem, certa vez, se perdera numa densa floresta. Em pleno dia, pouco podia enxergar, pois o sol já não penetrava o interior da selva devido à densidade das folhas das árvores. Antes da noite cair, porém, apavorado pelo pensamento da escuridão que se aproximava, lembrou-se de que em sua mochila trazia uma vela e uma caixa de fósforos. Alegrou-se por um instante por aquela singela “salvação” que lhe alcançara. Ao cair a noite, acendeu a sua vela e seguiu o seu caminho. Tão tenso estava que não conseguia deixar de andar. Assim, caminhou uma noite inteira até que o sol despontou. Ele, no entanto, conservava a vela acesa, apesar da luz do sol clarear já a região que era menos densa de floresta. A pequena luz na mão já não iluminava nada, mas ele havia se apegado à sua pequena segurança.

Esta história veio-me à memória precisamente neste 1º domingo do Advento, quando o ciclo das celebrações litúrgicas inaugura um novo tempo, marcado pela preparação para a vinda de Jesus no Natal e recordando também aquela vinda prometida para o final dos tempos. 

Uma luz grande contrasta a luz pequena das nossas certezas e dos nossos costumes. Na noite de Natal, durante a chamada Missa do Galo, se lê um trecho do profeta Isaías onde se diz que “o povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (Is 9, 2). O tema da luz é bem presente tanto tempo do Advento quanto no Natal. Além das várias menções nos textos bíblicos e das orações da liturgia, pensemos, por exemplo, nas árvores iluminadas pelos pisca-piscas; na coroa do Advento, com suas 4 grandes velas, marcando o ritmo das semanas de preparação; nas luzes que adornam as fachadas das Igrejas, casas, e lojas, etc. 

Acendemos nossas luzes porque queremos superar as trevas que nos cercam. Cada um conhece bem a sua necessidade de iluminar a própria vida e o próprio ambiente. Deus nos oferece uma Luz maior. Trata-se da sua presença em meio às trevas do mundo. Esta luz foi acesa no primeiro presépio da história, aquele real, da cidade de Belém. O carinho de Maria e de José aqueceram o ambiente frio da gruta e Deus ofereceu a Luz que ilumina o mundo inteiro.

Essas 4 semanas que antecedem o Natal são preparatórias para acolher a Luz maior que com que Deus deseja nos presentear, o seu próprio Filho Jesus Cristo. Ele, em pessoa, deseja nos visitar. 

De muitas formas, como cristãos, desejamos reproduzir essa visita. O Natal não é apenas um fato histórico, recluso no passado. Ele está em ação hoje. Deus continua visitando e iluminando a vida das pessoas hoje. Por isso, queremos nos preparar. 

Entre tantas propostas, vamos pelas casas rezando a Novena de Natal. Queremos agasalhar com o calor de nossos corações aqueles e aquelas que se encontram sozinhos e esquecidos. Renovaremos, como Diocese de Nova Iguaçu, o nosso gesto concreto de oferecer às crianças do hospital da Posse, o leite em pó que serve de sustento ao longo do ano. Multiplicaremos tantos sinais da presença terna de Deus no nosso meio. Como Maria e José encontraremos lugar para que Jesus possa ser acolhido na pessoa do irmão com fome, sede, nu, doente, prisioneiro, estrangeiro, multiplicando tantas iniciativas de caridade. 

A melhor preparação para o Natal é o coração aberto para acolher o dom de Deus, Jesus, que se manifesta na fragilidade de uma criança precisada de proteção. São tantas as fragilidades de nosso tempo e tantas as boas possibilidades do coração humano. Através da oração e da caridade esforcemo-nos para preparar o melhor Natal de nossas vidas. Junte-se a outros que querem iluminar o mundo com a Luz que Deus oferece, pois juntos se pode preparar uma festa melhor e acender uma luz ainda maior. Bom tempo de Advento!

 

Artigo de dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB

Um poder diferente

novembro 24, 2019 / no comments

Quando Jesus foi apresentado a Pilatos, no processo que iria levá-lo à morte, o governador da Palestina dirigiu-lhe uma pergunta crucial: “Tu és Rei”? Jesus declarou que sim, era rei, mas que o seu Reino não era deste mundo ((Jo 18, 36).

Pilatos poderia temer que alguém assim representasse uma ameaça à ordem e ao poder que ele detinha. Mas não! Parece ter intuído que aquele tipo de poder era de grande novidade e, por isso, insistiu no interrogatório, tomando, a seguir, a decisão de soltá-lo. Ao ser instigado pela multidão, porém, entregou Jesus à morte. A declaração de “Rei”, no entanto, foi conservada. Tanto assim que Pilatos mandou fosse colocada no cimo da cruz a inscrição Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus.

É interessante notar que Jesus não tenha querido rechaçar este título que, certamente, poderia dar origem a muitas interpretações, como, de fato, ao longo da história aconteceu. Há sempre o perigo de uma visão equivocada do reinado de Jesus, negando aquela autonomia das realidades temporais que o Concílio Vaticano II afirmou: “as coisas criadas e as sociedades gozam de leis e de valores próprios, que o homem vai gradualmente conhecendo, aplicando e organizando” (Gaudium et spes, 36).

O próprio Jesus declarara isso quando indicou que se deve dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (Mt 22, 21). Sobre a sua missão, a Igreja mesma afirma que “nenhuma ambição terrena a move, mas ela pretende uma única coisa: guiada pelo Espírito Santo, continuar a obra do próprio Cristo, que veio ao mundo para dar testemunho da verdade; para salvar, e não para condenar; para servir, e não para ser servido” (Idem, n. 3).

Hoje também os cristãos afirmam: “Jesus é Rei”. Neste domingo, a liturgia da Igreja católica, celebra a festa de Jesus Cristo, Rei do Universo, concluindo com ela as celebrações que desde o advento do ano passado foram propostas. Mas o que significa continuar insistindo neste título? Parece-me que não se pode perder de vista algo essencial que da boca de Jesus mesmo nós escutamos: “o meu Reino não é deste mundo”.

O Reino de Jesus, ao contrário dos outros reinados, não depende de um reconhecimento público de sua existência, nem se conquista à força de armas e articulações políticas. Ele já é, e já está presente, independente da adesão das pessoas e de seu reconhecimento, mas revelará toda a sua força no final dos tempos. Por isso, Jesus diante de Pilatos, não hesita em afirmar a sua realeza, ao mesmo tempo que sempre foge quando pretende que o estabeleçam como rei. Assim, Ele redireciona o sentido do seu poder. A realidade do poder fascina a humanidade desde sempre. E isso, desde as pequenas coisas até às mais elevadas. Vai, por exemplo, do poder de ter nas mãos a chave de um armário ao de governar uma nação.

Não é à toda que é no contexto da Paixão e Morte na cruz que Jesus se reveste com as vestes de Rei e recebe uma coroa, mas de espinhos. O Reinado de Jesus é o poder de amar até dar a vida, de escolher com liberdade tornar-se o menor de todos para poder servir a todos, é colocar no centro de tudo o amor desinteressado, ou melhor, interessado unicamente em salvar o outro, em dar tudo de si para que o outro tenha a vida. É dessa forma que Jesus é Rei, é dessa forma que os cristãos reinam com Ele.

A Diocese de Nova Iguaçu, neste domingo, fará uma grande celebração em Nilópolis, aproveitando essa ocasião para declarar que Jesus é Rei da Paz, rezando pela paz em nossa Baixada. Vamos também dar início a uma iniciativa de formação, inspirada na Doutrina Social da Igreja, a fim de ajudar os nossos leigos e leigas a assumirem, de forma mais consciente e capaz, o seu protagonismo na família e na sociedade.

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB