Igreja missionária e servidora no espírito da Quaresma

março 1, 2020 / no comments

 

Na última quarta-feira, 26 de fevereiro, demos início, junto com toda a Igreja, à Quaresma, tempo forte de conversão e da graça de Deus, marcado pela oração, a penitência e a caridade.

Mais uma vez somos convidados a reviver o mistério da Páscoa do Senhor que, como nos lembra o Papa Francisco, em sua mensagem quaresmal para este ano, “não é um acontecimento do passado: pela força do Espírito Santo é sempre atual e nos permite contemplar e tocar com fé a carne de Cristo em tantas pessoas que sofrem.”

Em comunhão com toda a Igreja no Brasil queremos viver, como gesto concreto pessoal e comunitário de caridade fraterna, a Campanha da Fraternidade deste ano.

Com o tema “Fraternidade e vida: dom e compromisso” e o lema, “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”, somos chamados a confrontar nosso testemunho cristão à luz do exemplo do Bom Samaritano do Evangelho (Lc 10, 25-37), buscando assumir o espírito da Quaresma com toda a sua riqueza espiritual.

Fizemos a opção de celebrar a abertura da Campanha da Fraternidade 2020 nos 10 Regionais que compõem a Diocese de Nova Iguaçu. Queremos assim renovar o compromisso de ser Igreja missionária e samaritana, que está sempre em saída, e se faz presente e próxima dos inúmeros sofredores deste tempo, em nossa Baixada, para oferecer-lhes a compaixão e o cuidado do olhar de Cristo, pois “somente contemplando o mundo com os olhos de Deus, é possível perceber e acolher o grito que emerge das várias faces da pobreza e da agonia da criação” (DGAE 2019-2023, n. 102).

As palavras de Cristo, “a mim o fizeste” (Mt 25, 40), sempre nos provocam a buscar identificar o seu rosto nos pobres e descartados que se encontram perto de nós, pois o Senhor quis identificar-se com eles. Em palavras do Papa Francisco, “esquivar-se dessa identificação equivale a ludibriar o Evangelho e diluir a Revelação[…]Os pobres precisam de nossas mãos para se reerguer, dos nossos corações para sentir de novo o calor do afeto, da nossa presença para superar a solidão (Mensagem para o 3º Dia Mundial dos Pobres).

Ao terminar a parábola do Bom Samaritano, Jesus convida os seus seguidores a fazerem o mesmo que ele fez (Lc 10, 37). Nossa ação pastoral precisa ser concreta. Por isso, na Diocese fizemos a escolha de priorizar a atenção e o cuidado com crianças, adolescentes e jovens. Queremos também ao longo desse ano identificar, mapear, valorizar, integrar as inúmeras ações em prol da vida, realizadas em nosso território, pois são sinais claros da presença solidária e fraterna da Igreja que assume a vida como dom e compromisso.

Desejo que nos empenhemos de verdade para realizar com espírito de fé e caridade a Campanha da Fraternidade, também através da criação do maior número possível de grupos de reflexão e oração, não apenas nas nossas comunidades e casas, mas também em outros ambientes (escolas, hospitais, presídios, comércios, etc) onde mais pessoas podem ser alcançadas pelo anúncio do Evangelho e pelo nosso testemunho.

Unidos na oração, supliquemos ao Senhor, com Nossa Senhora da Piedade, que nos ensine a “sentir a verdadeira compaixão expressa no cuidado fraterno, próprio de quem reconhece no próximo o rosto do Filho de Deus” (Oração da CF 2020).

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.

Cinzas e Quaresma

fevereiro 26, 2020 / no comments

Na quarta-feira de Cinzas começamos a Quaresma, tempo de penitência e de renovação interior para prepararmos a Páscoa do Senhor. A liturgia da Igreja convida-nos com insistência a purificar a nossa alma e a recomeçar novamente.

A conversão consiste, sobretudo, no reconhecimento de nossa condição de criaturas limitadas, mortais e pecadoras. No gesto de imposição das cinzas sobre a cabeça das pessoas, o sacerdote ou o ministro diz: “Convertei-vos e crede no Evangelho”. A conversão consiste em crer no Evangelho. Crer é aderir a ele, viver segundo os ensinamentos do Senhor Jesus. Pode-se usar também a outra fórmula: “Lembra-te que és pó e ao pó hás de voltar”. Numa das orações da bênção das cinzas se diz: “Reconhecendo que somos pó e que ao pó voltaremos, consigamos, pela observância da Quaresma, obter o perdão dos pecados e viver uma vida nova, à semelhança do Cristo ressuscitado”.

As cinzas são preparadas pela queima de palmas bentas usadas na procissão de Ramos do ano anterior. Lembram, portanto, o Cristo vitorioso sobre a morte. A palma é símbolo de vitória e de triunfo. Assim, se os cristãos aceitam reconhecer sua condição de criaturas mortais, e transformar-se em pó, ou seja, passar pela experiência da morte, a exemplo de Cristo, pela renúncia de si mesmos, participarão também da vida que ressurge das cinzas.

A Páscoa se vive na conversão, através dos exercícios da oração, do jejum e da esmola. A imposição das cinzas não constitui um mero rito a ser repetido a cada ano. É celebração da vocação do ser humano, chamado à imortalidade feliz, contanto que realize o mistério pascal de morte e vida em sua vida fraterna.

O tempo da Quaresma é o momento oportuno para que olhemos mais profundamente para o Mistério da Cruz. Olhar para a Cruz, contemplar esse Mistério é ir ao porquê de tudo aquilo que nós faremos durante a Quaresma. As orações, os jejuns e esmolas têm sentido porque nos põem em contato com a Cruz do Senhor. Além do mais, nós recebemos do Mistério da Cruz a força para unir-nos à mesma Cruz, ou seja, aquilo que Deus nos pede, ele nos concede: Deus pede que rezemos? Ele nos dá a graça da oração. Deus nos pede que façamos penitência? Ele nos dá a graça para realizá-la? Deus pede que partilhemos e que não sejamos egoístas? Ele nos dá a graça da generosidade e da esmola. O que está por detrás de tudo isso é a primazia da graça de Deus na nossa vida. Quando dirigimos o nosso olhar contemplativo ao mistério da Cruz do Senhor surge em nós o desejo de fazer aquilo que São Paulo fazia: “o que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (cf. Cl 1,24).

O Senhor também nos pede hoje um sacrifício um pouco especial: a abstinência e, também, o jejum, pois o jejum fortifica o espírito, mortificando a carne e a sua sensualidade; eleva a alma a Deus; abate a concupiscência, dando forças para vencer e amortecer as suas paixões, e prepara o coração para que não procure outra coisa senão agradar a Deus em tudo.

Além destas manifestações de penitência (a abstinência de carne a partir dos 14 anos e o jejum entre os 18 e os 59 completos), que nos aproximam do Senhor e dão à alma uma alegria especial, a Igreja pede-nos também que pratiquemos a esmola que, oferecida com um coração misericordioso, deseja levar um pouco de consolo aos que passam por privações ou contribuir conforme as possibilidades de cada um para uma obra apostólica em bem das almas. Todos os cristãos podem praticar a esmola, não só os ricos e abastados, mas mesmo os de posição média e ainda os pobres; deste modo, embora sejam desiguais pela sua capacidade de dar esmola, são semelhantes no amor e afeto com que a praticam.

Dirigir o coração a Deus, converter-se, significa estarmos dispostos a empregar todos os meios para viver como Ele espera que vivamos, a não tentar servir a dois senhores, a afastar da vida qualquer pecado deliberado. Jesus procura em nós um coração contrito, conhecedor das suas faltas e pecados disposto a eliminá-los. Então lembrar-vos-eis do vosso proceder perverso e dos vossos dias que não foram bons. O Senhor deseja uma dor sincera dos pecados, que se manifestará inicialmente na Confissão sacramental auricular: Converter-se quer dizer para nós procurar novamente o perdão e a força de Deus no sacramento da reconciliação e assim recomeçar sempre, avançar diariamente.

Desta maneira, que possamos nós vivermos um autêntico espírito de penitência, isto é, com uma disposição para a conversão permanente através da penitência. Que este tempo quaresmal seja de muito fruto em nossa caminhada cristã.

 

Artigo de Dom Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ