Ouvir e caminhar com os jovens

outubro 19, 2020 / no comments

Ouvir e caminhar com os jovens

 

Os jovens costumam ser apresentados como referência futura nas reflexões e falas de muitas pessoas. Há sempre quem os apresente como esperança do amanhã e certeza futurística.

Gostei de ouvir da boca do Papa emérito, Bento XVI, a afirmação de que os jovens são o presente da Igreja, pois se não forem o presente, também não haverá futuro para ela. Mais recentemente, o Papa Francisco, na sua Exortação Apostólica Cristo vive, dirigida aos jovens, disse algo semelhante ao afirmar que “depois de repassar a Palavra de Deus, não podemos dizer apenas que os jovens são o futuro do mundo. São o presente, pois o estão enriquecendo com sua contribuição” (n. 64).

De fato, de muitas formas, e em vários setores da vida humana encontramos muitos jovens sendo protagonistas de realidades novas nos diversos âmbitos da sociedade. É impossível ignorar de que eles são construtores de um presente que influenciará o que se viverá futuramente. No entanto, para muitos jovens o presente é inibidor de sonhos e projetos, pois se encontram do lado daqueles que não tiveram oportunidades nem referências que os ajudasse a assumir o protagonismo que lhes é próprio.

Ter clara essa relação determinante dos jovens com o presente é de importância capital uma vez que nos pode servir para refletir acerca de como consideramos seu papel na Igreja e no mundo. Desde a relação mais elementar que é a familiar até à mais complexa, por exemplo, com as diversas instituições sociais, os jovens requerem uma atenção privilegiada, uma vez que este presente é condição do seu futuro e de toda a humanidade.

A celebração do Dia Nacional da Juventude (DNJ), neste domingo,deve nos provocar uma profunda revisão sobre o lugar que estamos dando aos jovens em nossas diversas realidades eclesiais: diocese, paróquias, comunidades, pastorais, movimentos, associações, etc. A ocasião nos obriga a uma reflexão e a um olhar para os jovens que estão próximos de nós, sem esquecer, é claro, os mais distantes.

Desde o Sínodo da Juventude, em outubro de 2018, repetidas vezes se recorda um pedido de dispor de meios mais eficientes para escutar pessoalmente os jovens. O Papa Francisco adverte que “essa empatia enriquece, porque permite aos jovens dar a sua contribuição à comunidade, ajudando-a a abrir-se a novas sensibilidades e a fazer-se perguntas inéditas” (Cristo vive, n. 65).

Este ano o DNJ se inspira na atitude de Jesus com os discípulos de Emaús: “Ouviu e junto com eles caminhou” (Lc 24, 15-17). A escuta e o acompanhamento descrevem os desafios importantes a enfrentar para realizar uma pastoral juvenil capaz de dialogar com o nosso tempo e com as necessidades dos jovens de hoje.

Preocupa-nos a ausência dos jovens nas nossas estruturas sobretudo paroquiais. Às vezes é mais fácil encontrá-los em outras realidades eclesiais. Talvez nelas eles encontrem mais acolhimento, valorização pessoal, acompanhamento personalizado, envolvimento missionário. O tempo tem nos feito compreender que se deve superar aquela tendência a oferecer caminhos aos jovens sem que estes caminhos tenham sido trilhados também por outros jovens. Nada do que se oferece pastoralmente para os jovens deve ser feito sem eles. Como recorda Francisco, “os próprios jovens são agentes da pastoral juvenil, acompanhados e orientados, porém livres para encontrar caminhos sempre novos, com criatividade e audácia.” (Cristo vive, n. 203)

A celebração anual do DNJ acenda em nós o desejo persistente de abrir espaço e encontrar caminhos para ouvir e seguir mais de perto os jovens de dentro e de fora da Igreja, afinal “todos os jovens, sem exclusão, estão no coração de Deus e, portanto, no coração da Igreja”(Cristo vive, 235).

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.

Santos de calça jeans

outubro 12, 2020 / no comments

Santos de calça jeans

 

Sábado, 10 de outubro, em Assis, foi beatificado um jovem chamado Carlo Acutis, que aos 15 anos faleceu em consequência de umaleucemia fulminante. O seu testemunho de vida despertou um interesse enorme e sua fama girou o mundo. O que fez de extraordinário esse jovem? Viveu a vida pra valer, encheu de sentido a sua existência, a partir da fé, mesmo sabendo que estava “destinado a morrer”, como ele disse.

Carlo Acutis nasceu a 3 de maio de 1991, em Londres, sua família logo mudaria para Milão e lá viveu até a morte em 12 de outubro de 2006.

Gostava de viver, de estudar, de jogar futebol, de ter amigos, de estar com os demais e de ajudar os necessitados. Era um verdadeiro gênio na área da informática. Sobre ele, diz um dos seus biógrafos, que “mesmo não tendo completado os estudos especializados, era capaz de criar programas de computador melhor que os acadêmicos e de usar as mídias sociais com o objetivo de evangelização e promoção humana”.

Desde o dia de sua primeira comunhão, passou a ter forme de Jesus na Eucaristia, ia à missa todos os dias e via o Santíssimo Sacramento como a estrada veloz que nos leva ao céu. Muito dado às pessoas, quando pegava sua bicicleta para ir à escola, parava aqui e ali para conversar, especialmente com os imigrantes que cruzavam o seu caminho. Um deles, empregado na sua casa, declarou no processo de beatificação que foi convertido por Carlo, a partir do testemunho e da coerência d vida do jovem, mais do que de palavras.

Ao ser diagnosticado com a doença que o levaria à morte, alguém lhe perguntou se não estava triste por morrer tão jovem, respondeu: “Estou feliz em morrer, porque vivi minha vida sem perder nem mesmo um minuto dela com coisas que Deus não gosta.”

Enfrentou a doença com a mesma fé com que procurou viver a sua vida e procurou dar-lhe um valor: “Ofereço os sofrimentos que deverei sofrer, pelo Papa e pela Igreja, para não ir ao Purgatório e ir direto para o Céu”. Quando as enfermeiras lhe perguntavam sobre o seu sofrimento, respondia: “há pessoas que sofrem muito mais do que eu”.

Assim, Carlo testemunha o que Bento XVI dissera: “os jovens não têm medo do sacrifício, o que eles temem é uma vida sem sentido”.

Com uma vida desse modo, iluminada pela fé, o jovem tornou-se um anjo para a nossa juventude, uma esperança para os que têm diante de si desafios que parecem insuperáveis.

Nos dias que precederam a sua beatificação, o seu corpo, praticamente incorrupto, foi exposto na Igreja dedicada ao despojamento de São Francisco na cidade de Assis, onde estava enterrado, a pedido expresso feito aos seus pais pelo próprio Carlo.

Pela internet foram divulgadas as imagens. Chamou a atenção vê-lo vestido como costumava andar: vestido de calça jeans e jaqueta esportiva, calçando um tênis de marca. Bastante sugestiva a imagem, afinal trata-se de um jovem de nosso tempo, vestido como se vestem geralmente os nossos jovens, mas que realizou em plena juventude um ideal de realização plena de vida. A santidade não é coisa do passado, mas um ideal de vida de extrema atualidade.

Duas coisas relacionam Carlo com o Brasil, sua morte em 12 de outubro de 2006, festa de Nossa Senhora Aparecida e o fato de que o milagre para a sua beatificação ocorreu no Brasil, em Campo Grande (MS), pela cura instantânea de um menino portador de uma doença rara, após seu avô ter invocado a intercessão de Acutis diante de uma relíquia sua.

A presença de um santo jovem tão próximo de nossos dias sirva de sinal e estímulo para que valorizemos a vida e encarnemos a fé nas situações boas e adversas de nossa história pessoal e da história do mundo.

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.