Santos de calça jeans

outubro 12, 2020 / no comments

Santos de calça jeans

 

Sábado, 10 de outubro, em Assis, foi beatificado um jovem chamado Carlo Acutis, que aos 15 anos faleceu em consequência de umaleucemia fulminante. O seu testemunho de vida despertou um interesse enorme e sua fama girou o mundo. O que fez de extraordinário esse jovem? Viveu a vida pra valer, encheu de sentido a sua existência, a partir da fé, mesmo sabendo que estava “destinado a morrer”, como ele disse.

Carlo Acutis nasceu a 3 de maio de 1991, em Londres, sua família logo mudaria para Milão e lá viveu até a morte em 12 de outubro de 2006.

Gostava de viver, de estudar, de jogar futebol, de ter amigos, de estar com os demais e de ajudar os necessitados. Era um verdadeiro gênio na área da informática. Sobre ele, diz um dos seus biógrafos, que “mesmo não tendo completado os estudos especializados, era capaz de criar programas de computador melhor que os acadêmicos e de usar as mídias sociais com o objetivo de evangelização e promoção humana”.

Desde o dia de sua primeira comunhão, passou a ter forme de Jesus na Eucaristia, ia à missa todos os dias e via o Santíssimo Sacramento como a estrada veloz que nos leva ao céu. Muito dado às pessoas, quando pegava sua bicicleta para ir à escola, parava aqui e ali para conversar, especialmente com os imigrantes que cruzavam o seu caminho. Um deles, empregado na sua casa, declarou no processo de beatificação que foi convertido por Carlo, a partir do testemunho e da coerência d vida do jovem, mais do que de palavras.

Ao ser diagnosticado com a doença que o levaria à morte, alguém lhe perguntou se não estava triste por morrer tão jovem, respondeu: “Estou feliz em morrer, porque vivi minha vida sem perder nem mesmo um minuto dela com coisas que Deus não gosta.”

Enfrentou a doença com a mesma fé com que procurou viver a sua vida e procurou dar-lhe um valor: “Ofereço os sofrimentos que deverei sofrer, pelo Papa e pela Igreja, para não ir ao Purgatório e ir direto para o Céu”. Quando as enfermeiras lhe perguntavam sobre o seu sofrimento, respondia: “há pessoas que sofrem muito mais do que eu”.

Assim, Carlo testemunha o que Bento XVI dissera: “os jovens não têm medo do sacrifício, o que eles temem é uma vida sem sentido”.

Com uma vida desse modo, iluminada pela fé, o jovem tornou-se um anjo para a nossa juventude, uma esperança para os que têm diante de si desafios que parecem insuperáveis.

Nos dias que precederam a sua beatificação, o seu corpo, praticamente incorrupto, foi exposto na Igreja dedicada ao despojamento de São Francisco na cidade de Assis, onde estava enterrado, a pedido expresso feito aos seus pais pelo próprio Carlo.

Pela internet foram divulgadas as imagens. Chamou a atenção vê-lo vestido como costumava andar: vestido de calça jeans e jaqueta esportiva, calçando um tênis de marca. Bastante sugestiva a imagem, afinal trata-se de um jovem de nosso tempo, vestido como se vestem geralmente os nossos jovens, mas que realizou em plena juventude um ideal de realização plena de vida. A santidade não é coisa do passado, mas um ideal de vida de extrema atualidade.

Duas coisas relacionam Carlo com o Brasil, sua morte em 12 de outubro de 2006, festa de Nossa Senhora Aparecida e o fato de que o milagre para a sua beatificação ocorreu no Brasil, em Campo Grande (MS), pela cura instantânea de um menino portador de uma doença rara, após seu avô ter invocado a intercessão de Acutis diante de uma relíquia sua.

A presença de um santo jovem tão próximo de nossos dias sirva de sinal e estímulo para que valorizemos a vida e encarnemos a fé nas situações boas e adversas de nossa história pessoal e da história do mundo.

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.

Vida: dom e compromisso

outubro 4, 2020 / no comments

Vida: dom e compromisso

 

O bom e velho Jó, personagem conhecido no Antigo Testamento pelos duros revezes que enfrentou, disse acertadamente que a vida do ser humano nesta terra é luta. Uma afirmação comprovada na própria pele,na sua experiência de justo sofredor.

A atual pandemia da Covid 19 tem sido ocasião, tantas vezes, de recordar a fragilidade das nossas seguranças e, ao mesmo tempo, descobrir a importância de viver a vida com um sentido que supere o drama da morte. A fé sempre traz tantas luzes para encher de razão a vida e tudo o que nela se enfrenta. Mas a fé não é um anestésico. Ela nos coloca diante de outra realidade maior até mesmo do que nós e apresenta suas garantias para que não acreditemos em vão.

Essa tomada de consciência pode servir para iluminar situações que enfrentamos e que nos surpreendem em alguns momentos de nossa história pessoal. Quantas coisas nos convocam para uma luta pela vida, para valorizá-la pessoalmente, mas não só. Valorizar a própria vida tem um vínculo direto com a valorização da vida do outro. Eu sou alguém sempre em referência a uma outra pessoa. Esta é a beleza e, ao mesmo tempo, o mistério que envolve toda vida humana. Um outro me explica: sou filho, irmão, neto, sobrinho, amigo, etc. de alguém. Ao contrário do que pensava Sartre, o outro não é o inferno, mas sim a possibilidade de que eu seja eu mesmo.

Estes dias, alguém que perdeu a mãe recentemente me dizia que a recordação de como ela tinha vivido a vida, o consolava naquela hora de dor. Afirmou com simplicidade que sua mãe viveu com intensidade, colocando-se inteiramente nas coisas que lhe correspondia viver.

Às vezes, diante de certas situações somos tentados a perguntar: isso é vida? Como se aquela situação fosse só uma negação.Não quero com isso negar que há tantos dramas difíceis de enfrentar na vida de tantas pessoas. Mas penso que a experiência de muita gente em situações semelhantes acaba por mostrar que a vida sai mais valorizada até mesmo de situações que parecem contradizê-la. Certa vez li um livro cujo título era muito sugestivo: “Tudo tem sentido”. Para dizer que tudo pode ser integrado e aproveitado para sairmos melhor de cada situação.

Valorizar a vida humana desde a sua fecundação até o seu fim natural é a proposta da Semana Nacional da Vida, entre os dias 1º a 7 de outubro que tem como tema a vida: dom e compromisso.No dia 8 celebraremos o dia do nascituro. Uma vida que vem à luz é um sinal de renovação e de tantas possibilidades pessoais e para toda a comunidade humana. Celebrar o dia do nascituro nos compromete na defesada vida mais frágil, desde a criança que está para nascer como aquela que não tem um ambiente favorável para o seu desenvolvimento digno e, enfim, toda e qualquer expressão de ameaça à vida humana.

O Papa João Paulo II, em muitas ocasiões denunciou um ambiente que respira uma cultura de morte. Infelizmente vemos como se espalhava, especialmente no Ocidente, este desprezo à vida humana e que também se expressa pelo desprezo ao próprio ambiente que torna possível a vida.

O Papa Francisco hoje assinou em Assis uma Carta sobre a Fraternidade e a Amizade Social. Mais uma vez ele se serve do testemunho do pobrezinho de Assis “que se sentia irmão do sol, do mar e do vento, sentia-se ainda mais unido aos que eram da sua própria carne”.

Que o saber-nos todos irmãos (assim se chama a Carta Encíclica do Papa), nos comprometa mais com a luta pela vida, especialmente em defesa dos mais frágeis.

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu (RJ) e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.