Os nossos mortos vivem

novembro 3, 2020 / no comments

Os nossos mortos vivem

Neste ano de 2020, a celebração dos Finados acontece no contexto de experiências dramáticas vividas por muitas pessoas. Dia após dia os números de vítimas do novo coronavirusfazem parte das notícias veiculadas. Quem de nós não teve alguma ou várias notícias de pessoas próximas, parentes, amigos, conhecidos de quem tivemos que nos despedir? Não me recordo ter vivido um ano onde a “irmã morte”, como a chamava o irmão universal, Francisco de Assis, tenha estado tão próxima.

A fragilidade da vida humana ficou patente neste tempo. A experiência da morte sempre nos coloca diante do decisivo da vida e de sua fugacidade. “Passa tão depressa” o tempo que nos corresponde viver aqui nesta terra.

Mas o pensamento da morte não traz só sentimentos de insegurança e melancolia. O cristão é frequentemente convidado a pensar no seu confronto pessoal com esta realidade da qual ninguém pode escapar. Longe de marcar a vida humana com um tom de tragédia, a morte deve ser colocada dentro do “pacote” que trazemos conosco quando vimos a luz, ao sair do ventre materno. Contar com ela torna menos trágica a vida e mais responsável também a nossa passagem por aqui.

Em um dos diálogos do Pequeno Príncipe com a raposa, ele diz: “É bom ter tido um amigo, mesmo se a gente vai morrer. Eu estou muito contente de ter tido a raposa por amiga…” A morte não diminui o valor daquilo que se vive, ao contrário, acrescenta. As coisas que vivemos podem ganhar o peso da eternidade. E o cristão é chamado a dar peso de eternidade à sua vida. Por aí, costuma-se dizer que o tempo vale ouro. Na verdade, se queremos ser ainda mais coerentes podemos dizer que o tempo para nós tem valor de eternidade.

Os nossos mortos vivem diante de Deus e não apenas na nossa lembrança ou nos nossos afetos. “Para aqueles que creem a vida não é tirada, mas transformada”, assim reza a liturgia da Igreja na missa pelos mortos. A esperança certa da vida eterna descortina um horizonte aberto, diante do muro que a morte pretende impor à curta ou longa existência humana.

Este mês de novembro nos convida a lembrar de forma orante dos nossos mortos.A fé católica ensina que “os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida a sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrarem na alegria do Céu.” (Catecismo n. 1030). Por isso, somos convidados no dia de Finados a oferecer missas e orações em sufrágio dos nossos falecidos.

O Papa Francisco, diante da situação pandêmica que coloca limites aos nossos costumes, nos ofereceu, através da Penitenciaria Apostólica, a possibilidade de ganhar indulgência pelos mortos ao longo de todo o mês de novembro, adequando as práticas indulgenciadas e as condições para garantir a segurança dos fiéis. Assim, a indulgência plenária para os que visitarem um cemitério e rezarem pelos defuntos, ainda que apenas mentalmente, estabelecida por regra geral somente em dias que vão de 1 a 8 de novembro, poderá ser transferida a outros dias até ao fim do mesmo mês. Os que por motivos graves não possam sair de casa, poderão obter a indulgência plenária desde que se unam espiritualmente a todos os demais fiéis, e rezem de acordo com as normas já estabelecidas para a obtenção da graça da indulgência.

Lembrar dos nossos mortos e rezar por eles, valorizar a vida pessoal e a dos irmãos, tornar-nos sempre mais defensores do valor ímpar da vida humana, solidarizar-nos com os que estão vivendo momento de luto, são compromissos que o dia dos fiéis falecidos pode nos inspirar.

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.

Pe. Fernando, pastor com cheiro das ovelhas

outubro 25, 2020 / no comments

Pe. Fernando, pastor com cheiro das ovelhas

Nesses últimos dias do mês missionário tivemos o pesar de sepultar um grande apóstolo dessas terras da Baixada Fluminense, o Pe. Fernando Vandenabeele. Missionário da Congregação do Imaculado Coração de Maria (CICM), de origem belga, iniciou a missão na Diocese de Nova Iguaçu, em maio de 1965, como pároco em Santa Maria (atualmente Belford Roxo). Homem preparado, fez seus estudos eclesiásticos na renomada Universidade de Lovaina e sociologia em Paris. Mas a bagagem acadêmica foi em muito superada pela sua grande humanidade que, pouco a pouco, se revelava no encontro e no cuidado que tinha com as pessoas.

Pelo seu dinamismo e preparo logo foi colocado à frente de vários outros serviços. Em abril de 1968, a pedido do bispo, assumiu a Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS) diocesano. Em 23 de dezembro de 1970, a pedido do bispo de Volta Redonda, D. Waldyr Calheiros, começa na Cidade do Aço amplo trabalho pastoral numa paróquia com 18 comunidades. Eram tempos de efervescência social grande no Brasil. O pároco do lugar tinha sido preso e Pe. Fernando foi para lá, junto com seus confrades CICM, para desempenhar uma missão nada fácil.

O Pe. Bernado, atual Pároco de Santo Elias, testemunha que “o trabalho em equipe deixou marcas profundas, como também o jeito do nosso amado coordenador Pe. Fernando.  Foram tempos fortes do Cursilho de Cristandade, de círculos bíblicos, formação de lideranças leigas nas Ceb´s sempre dentro das grandes linhas pastorais diocesanas do saudoso carismático bispo Dom Waldyr”.

Sua capacidade pastoral, intelectual e humana despertou a atenção a nível de organismos missionários de âmbito nacional. Assim, em fevereiro de 1976, ele assumiu o Centro de Formação para Agentes de Pastoral estrangeiros da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o CENFI e, em 1979, foi encarregado de fazer a transferência do Rio para Brasília.

Em setembro de 1979, foi eleito provincial de sua Congregação no Brasil. Foram os anos em que animou, incentivou e visitou a nova missão que a Congregação iniciara em setembro de 1979, no Sul do Pará. Tendo exercido com muita responsabilidade e fraternidade a coordenação do Conselho Provincial, permaneceu na função até 1985.

A partir deste ano não deixará mais a Diocese de Nova Iguaçu, senão por um período de 3 anos, na Bélgica, como reitor de uma casa de Padres e Irmãos CICM idosos.

Cooperou com todos os bispos da Diocese até mim. Amado pelo povo das paróquias por onde passou, era admirado por sua capacidade de tornar Cristo presente no seu exemplo, carinho, capacidade extraordinária de amizade e um zelo extraordinário pelo cuidado de todos, especialmente dos pobres e esquecidos da sociedade. É recordado com carinho pelo trabalho de animação da Pastoral da Saúde, realizado no hospital da Posse, onde enfermos, funcionários da manutenção, médicos e enfermeiros se tornaram seus amigos.

Animado pela fé, a esperança e o amor ao Senhor que sempre o inspirava e animava na sua missão, com alegria e com o sorriso que sempre nos cativou,agora descansa da dura luta que enfrentou aqui e, certamente, nos acompanha do céu para que não desanimemos de seguir lutando pelo Reino de Deus que ele serviu com tanto empenho.

A Diocese de Nova Iguaçu tem no seu testemunho um dos seus pilares.Como bispo diocesano, sou profundamente grato pela semente bem plantada por ele nos nossos campos, já vemos tantos frutos. Sua colaboração como ecônomo no curto período que aqui estou e, sobretudo, seus conselhos maduros e amizade me dão confiança para seguir na missão, tendo também a ele como inspiração. Obrigado, Pe. Fernando! Sentiremos tanta saudade! O seu exemplo nos inspire!

Fonte: Pe. Bernard M. Raymon Masson, Discurso na Missa das Exéquias de Pe. Fernando.

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.