As eleições e os pobres

novembro 15, 2020 / no comments

As eleições e os pobres

Pelo 4º ano consecutivo, acolhemos a proposta do Papa Francisco de celebrar o Dia Mundial dos Pobres, que este ano tem como tema a exortação de Ben Sirac: “estende a tua mão para o pobre”(Eclo 7, 32). Trata-se de uma iniciativa inspirada pela celebração do Jubileu da Misericórdia (anos 2015-2016) e que ocorre sempre no domingo anterior à celebração da solenidade de Cristo Rei do Universo.

Em nossa Diocese de Nova Iguaçu fomos ao longo da semana, testemunhando nas redes sociais como, concretamente, temos estendido as mãos para a pobreza que se manifesta nos rostos de crianças, adolescentes, jovens, idosos, famílias e na área da saúde. O Dia dos Pobres nos compromete com eles não apenas um dia, mas é um compromisso que, por força da própria experiência de fé, assumimos todos os dias.

No Evangelho, quando Judas reclama com Jesus da atitude da mulher, que quebrara um frasco de alabastro, contendo perfume raro e caro, para ungir os pés de Jesus em vez de oferecer o dinheiro aos pobres, ele respondeu: “pobres sempre tereis convosco” (Jo 12, 8). A palavra do Mestre é comprovada pela própria experiência da Igreja, que sempre procurou acolher, em meio às vicissitudes da história, o conselho de São Pedro a São Paulo de “não esquecer dos pobres” (Gal 2, 10).

Na Mensagem do Papa Francisco para esta ocasião, recorda-se que “a pobreza assume sempre rostos diferentes, que exigem atenção a cada condição particular: em cada uma destas, podemos encontrar o Senhor Jesus, que revelou estar presente nos seus irmãos mais frágeis (cf. Mt 25, 40)”.

O tema deste ano é uma proposta bem concreta: estender a mão. Trata-se de “um sinal que apela imediatamente à proximidade, à solidariedade, ao amor” (Francisco). O encontro com uma pessoa em situação de especial pobreza não pode continuar a nos deixar indiferentes. Ao contrário, conforme insiste o Papa na sua mensagem, o “clamor silencioso de tantos pobres deve encontrar o povo de Deus na vanguarda, sempre e em toda parte, para lhes dar voz, defendê-los e solidarizar-se com eles face a tanta hipocrisia e tantas promessas não cumpridas, e para os convidar a participar na vida da comunidade”.

Uma consciência reta necessariamente se coloca perguntas diante de situações que privam o irmão de sua dignidade mais elementar: “Como podemos contribuir para eliminar ou pelo menos aliviar a sua marginalização e o seu sofrimento? Como podemos ajudá-lo na sua pobreza espiritual?”

Este ano a celebração coincidiu, no Brasil, com as eleições municipais. Uma feliz coincidência,pois pode oportunizarum examedeconsciência, tanto para eleitores como para os que se apresentam como candidatos para mais este pleito eleitoral, sobre o lugar dos pobres nas nossas escolhas.

Na mensagem dos Bispos católicos do Estado do Rio lembrou-se que o contexto atual “exige atitudes políticas novas, capazes de repensar o serviço à cidade com modalidades mais eficientes, priorizando políticas públicas que defendam a vida na sua totalidade (família, saúde, educação, moradia, segurança, ambiente, etc.).”Por isso, pede-se que se considere o compromisso dos candidatos “com os reais interesses da cidade, especialmente para com os mais pobres e vulneráveis.”

Afinal, “a escolha dos prefeitos e vereadores pode ser determinante para processos de superação de desigualdade social e melhor qualidade de vida para todos.”

Neste 15 de novembro nos sentimos ainda mais comprometidos com o destino de todos, mas particularmente dos pobres e esquecidos de nossa sociedade. Ser cristão é também comprometer-se com os rumos da sociedade, pois somos todos irmãos, filhos de um mesmo Pai.

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.

Os nossos mortos vivem

novembro 3, 2020 / no comments

Os nossos mortos vivem

Neste ano de 2020, a celebração dos Finados acontece no contexto de experiências dramáticas vividas por muitas pessoas. Dia após dia os números de vítimas do novo coronavirusfazem parte das notícias veiculadas. Quem de nós não teve alguma ou várias notícias de pessoas próximas, parentes, amigos, conhecidos de quem tivemos que nos despedir? Não me recordo ter vivido um ano onde a “irmã morte”, como a chamava o irmão universal, Francisco de Assis, tenha estado tão próxima.

A fragilidade da vida humana ficou patente neste tempo. A experiência da morte sempre nos coloca diante do decisivo da vida e de sua fugacidade. “Passa tão depressa” o tempo que nos corresponde viver aqui nesta terra.

Mas o pensamento da morte não traz só sentimentos de insegurança e melancolia. O cristão é frequentemente convidado a pensar no seu confronto pessoal com esta realidade da qual ninguém pode escapar. Longe de marcar a vida humana com um tom de tragédia, a morte deve ser colocada dentro do “pacote” que trazemos conosco quando vimos a luz, ao sair do ventre materno. Contar com ela torna menos trágica a vida e mais responsável também a nossa passagem por aqui.

Em um dos diálogos do Pequeno Príncipe com a raposa, ele diz: “É bom ter tido um amigo, mesmo se a gente vai morrer. Eu estou muito contente de ter tido a raposa por amiga…” A morte não diminui o valor daquilo que se vive, ao contrário, acrescenta. As coisas que vivemos podem ganhar o peso da eternidade. E o cristão é chamado a dar peso de eternidade à sua vida. Por aí, costuma-se dizer que o tempo vale ouro. Na verdade, se queremos ser ainda mais coerentes podemos dizer que o tempo para nós tem valor de eternidade.

Os nossos mortos vivem diante de Deus e não apenas na nossa lembrança ou nos nossos afetos. “Para aqueles que creem a vida não é tirada, mas transformada”, assim reza a liturgia da Igreja na missa pelos mortos. A esperança certa da vida eterna descortina um horizonte aberto, diante do muro que a morte pretende impor à curta ou longa existência humana.

Este mês de novembro nos convida a lembrar de forma orante dos nossos mortos.A fé católica ensina que “os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida a sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrarem na alegria do Céu.” (Catecismo n. 1030). Por isso, somos convidados no dia de Finados a oferecer missas e orações em sufrágio dos nossos falecidos.

O Papa Francisco, diante da situação pandêmica que coloca limites aos nossos costumes, nos ofereceu, através da Penitenciaria Apostólica, a possibilidade de ganhar indulgência pelos mortos ao longo de todo o mês de novembro, adequando as práticas indulgenciadas e as condições para garantir a segurança dos fiéis. Assim, a indulgência plenária para os que visitarem um cemitério e rezarem pelos defuntos, ainda que apenas mentalmente, estabelecida por regra geral somente em dias que vão de 1 a 8 de novembro, poderá ser transferida a outros dias até ao fim do mesmo mês. Os que por motivos graves não possam sair de casa, poderão obter a indulgência plenária desde que se unam espiritualmente a todos os demais fiéis, e rezem de acordo com as normas já estabelecidas para a obtenção da graça da indulgência.

Lembrar dos nossos mortos e rezar por eles, valorizar a vida pessoal e a dos irmãos, tornar-nos sempre mais defensores do valor ímpar da vida humana, solidarizar-nos com os que estão vivendo momento de luto, são compromissos que o dia dos fiéis falecidos pode nos inspirar.

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.