Um ministério fecundo no amor
Clero da diocese faz retiro e ouve palavra que os convida a viver a paternidade espiritual
Dentre os recursos espirituais que a Igreja oferece aos seus ministros ordenados para ajudá-los a viver bem a sua missão está o retiro anual. Todo clérigo tem o compromisso de fazer ao ano um exercício espiritual de cinco dias. Na diocese de Duque de Caxias existe o belo costume de realizar esta atividade no tempo da Quaresma, tempo que, segundo o monge Anselm Grün, deve ser para os cristãos tempo de uma verdadeira faxina interior. E o retiro ajuda nessa faxina.
E foi justamente com essa palavra que dom Luiz Antônio Ricci abriu a sua reflexão. Escolhido como pregador do retiro do clero diocesano, ocorrido entre os dias 11 e 15 de março, o bispo auxiliar de Niterói conduziu os presentes a um “segundo chamado”, ou seja, a redescoberta do único chamado que Deus tem para cada um de nós na ótica da volta ao primeiro amor. E enfatizou que essa volta consiste em redescobrir que o padre é chamado a ser fecundo. Se, por um lado, ele é privado da paternidade biológica pelo celibato, por outro, é chamado a exercer a sua paternidade espiritual e pastoral. E é a partir do exercício dessa paternidade que a sua vida e missão podem ser fecundas, sendo sinal sacramental da presença de Deus Pai no seio da Igreja e do mundo.
Para tanto, dom Luiz Ricci conduziu os participantes pelos caminhos da paternidade através de quatro verbos: desejar, gerar, cuidar e deixar partir. Sem dúvida, uma reflexão rica, que ajudou a renovar as forças daqueles evangelizadores que se dispuseram a parar suas atividades missionárias por alguns dias para ouvir a voz de Deus por meio da pregação, das orações, do silêncio e da presença da natureza tão exuberante no local onde o retiro foi realizado, o Centro de Estudos do Sumaré, pertencente à arquidiocese do Rio de Janeiro.
A fim de ajudar os leitores a ter um “gostinho” daquilo que foi vivenciado pelo bispo dom Tarcísio, 21 padres e 4 diáconos que compareceram ao retiro, realizamos uma entrevista com o pregador, a qual passamos a transcrever agora.
Padre Marcos: O senhor trouxe no início do retiro uma palavra de Anselm Grün que dizia que a Quaresma é um tempo de faxina interior. O retiro é uma oportunidade para realizar essa faxina. No caso dos nossos leigos e leigas, que não têm a possibilidade que os padres têm de fazer um retiro extenso, que práticas podem adotar para fazerem uma verdadeira faxina quaresmal?
Dom Luiz Ricci: Nós compreendemos que para os leigos é difícil um tempo maior para essa revisão de vida, que nós chamamos de faxina interior, faxina anual, que é esse tempo de graça que a Igreja nos oferece na Quaresma. Mas, mesmo com o tempo escasso, é possível encontrar na agenda durante o dia, durante a semana, algum momento para uma revisão de vida. A faxina é algo prazeroso. O ambiente fica melhor, mais saudável. Então mesmo que os nossos irmãos leigos não tenham um tempo maior como tivemos aqui no retiro, a Quaresma toda é um tempo de Graça. E por isso é possível sim encontrar um tempo para intensificar a oração, a caridade, o autocontrole. Que cada um possa fazer essa revisão, ver o que precisa ser colocado para fora, que está atrapalhando. Faxina é isso. Mas ao mesmo tempo, quando nós fazemos faxina além de colocar para fora o que atrapalha, nós também reencontramos coisas boas que ficaram esquecidas e precisam ser retomadas.
Padre Marcos: O tema do retiro foi “o Segundo Chamado”, que não se trata tanto de um novo chamado que se sobrepõe ao primeiro, mas um retomar do único chamado recebido do Senhor numa perspectiva nova, como uma volta ao primeiro amor. O senhor acredita que em todas as vocações essa retomada necessária? E como fazer isso?
Dom Luiz: De fato esse voltar ao primeiro amor, ao primeiro chamado, é imperativo. Hoje a gente têm muitas vozes, muitas propostas, e facilmente, ao assumir muitos compromissos, a gente esquece de voltar ao primeiro amor. Essa é uma exigência que está na Palavra de Deus: não tanto fazer muitas coisas, mas fazer por amor a Cristo. Então, é lógico, um casal sempre deve voltar… qualquer profissão também. Na vida matrimonial, lembrar daquele juramento de fidelidade que foi feito diante do altar. Sempre é bom retomar. Até quando Jesus falou da indissolubilidade do matrimônio ele voltou ao Gênesis. Então, se a gente não volta ao início, a gente se perde. E como fazer isso? A importância da memória: retomar a motivação inicial. Como diz o papa: olhar para o passado com gratidão, ver o presente com paixão e olhar para o futuro com esperança.
Padre Marcos: O senhor afirmou que quem não exerce a paternidade morre. Portanto, os padres devem exercer a paternidade, não de modo biológico, visto que são celibatários, mas de modo espiritual, como pais de nossas comunidades. De que maneira as comunidades podem ajudam os seus padres a exercer bem essa sua missão de paternidade espiritual e pastoral?
Dom Luiz: O nosso povo é um povo paterno e materno. Se nós, bispos, padres e diáconos devemos exercer essa paternidade espiritual, por outro lado, a gente sabe que o nosso povo já faz isso com a gente. São tantos gestos de carinho, de acolhida, de afeto, de amizade. Portanto, o povo ajuda a gente sendo o que o povo é: próximo. Se o padre tem que ser pastor, próximo do povo, por sua vez, ele precisa dessa família espiritual, que é a comunidade, uma família fecunda que vai tornar o ministério do padre também fecundo. Portanto, o padre tem a paternidade espiritual, mas a comunidade tem uma paternidade espiritual para com o padre. Assume o padre: é o nosso padre! Não de maneira possessiva, pois uma hora ou outra o padre pode ser transferido. A transferência acontece, porém, a amizade permanece!
Padre Marcos: Depois desses dias de convívio com o clero da diocese de Duque de Caxias, que mensagem o senhor gostaria de deixar para os demais membros da nossa Igreja Particular?
Dom Luiz: Eu quero agradecer essa oportunidade. Eu percebo que todos os padres assumiram esse retiro como momento de graça. Quero dizer para o povo da diocese de Duque de Caxias que os padres de vocês fizeram um bom retiro. Eu aprendi muito com eles também: sobretudo a simplicidade. Estávamos em casa. Então, querido povo: vocês estão bem servidos. Vejo que vocês têm padres bons, comprometidos; padres que são fecundos, paternos. Aproveitem da vida e do ministério desses padres para que vocês possam crescer também em santidade. Por sua vez, ajudem-nos também a crescer em santidade. Estamos todos nesse processo!
Colaboração: Padre Marcos Bejarano
Fotos: Padre Daniel Felix