Um novo Natal para uma nova história

dezembro 24, 2020 / no comments

Um novo Natal para uma nova história

 

Chegamos à celebração do Natal! Normalmente acontece que, nos últimos meses do ano, as atenções se voltam para o encanto desta data. Tudo costuma falar do Natal. As luzes multicores das cidades apontam para o fato importante e luminoso que despontou na história humana. O ambiente contagia, de muitas formas, os sentimentos próprios da suavidade do tempo da visita do Filho de Deus a nós.

Este ano, porém, uma outra notícia dividiu as atenções próprias do Natal. A pandemia da COVID-19, com as marcas de dor e luto, recentemente impressas no coração de tantas pessoas, e os limites próprios da segurança sanitária, nos obrigam a recuperar o verdadeiro sentido da festa, ao mesmo tempo que nos provocam sobre por que ainda celebrá-la.

Em todas as épocas há momentos de clara consciência da fragilidade humana. O século passado, por exemplo, viu explodir duas grandes guerras, com proporções mundiais, que colocaram a descoberto o potencial de destruição guardado no coração humano. A situação presente trouxe uma consciência maior de tantas outras pandemias: violência, desigualdades sociais, rebrotes de racismos, nacionalismos excludentes, polarizações várias que dividem famílias e pessoas, etc.

Mas mesmo assim, todos os anos, a festa do Natal se propõe de novo, como nova oportunidade para a humanidade. É o nascimento do Salvador! Como pesa hoje este título de Jesus, diante de tantas propostas fracassadas de “salvação”, nas promessas efêmeras de que nós, por nós mesmos, encontraríamos caminhos de salvação definitiva nas ideologias políticas, no avanço das ciências, nos líderes mundiais, nas alianças de países, etc.

Não quero com isso desmerecer tantas iniciativas importantes, válidas e promissoras. Simplesmente quero lembrar que a salvação que almejamos, que nos dá vida plenamente, não procede de nós mesmos, mas vem do alto, recebe-se como dom da bondade de um Deus que é amor.

A salvação de Deus, é diferente! Ele oferece uma “parceria”. Quer salvar a humanidade, através da humanidade. Nem o homem sozinho, por si mesmo, nem Deus sozinho!

E o curioso, ou melhor dizendo, o divino é que Ele escolhe o caminho da fragilidade, já bem conhecido da experiência nossa de cada dia. Não tem nada a ver com os super-heróis de nossas fantasias, mas com o realismo. As narrativas do acontecimento mais importante da história não poupam detalhes que mostram a vida real, feita de humilhações, angústias, preocupações, carências e precariedades.

A imagem do menino Jesus na manjedoura é simbólica do modo como Deus age na vida humana. Ele não prescinde da fragilidade, mas a abraça e eleva o ser humano a uma dignidadeinimaginável. “Deus se torna homem para que o homem se torne Deus”, lembram os primeiros grandes mestres do cristianismo.

Para nascer não escolheu os palácios, nem as honrarias dos grandes. Não teve o amparo dos poderosos, mas a sorte dos deserdados e marginalizados. Não se serviu de coisas extraordinárias, mas entrou na simplicidade dos fatos presentes: um recenseamento, uma família, uma cidade cheia de gente e de arrogância, um último lugar para nascer e abrir os olhos para este mundo sombrio, mas amado por Deus até o extremo.

O Natal é este tempo de acolher uma nova presença de Deus entre nós. Ele que não escolhe circunstâncias melhores para chegar, mas se adapta às palhas que lhe oferecemos. Deus se aproxima de nós no meio deste tempo desafiador e nos diz que não estamos sozinhos e que no rosto de um ser humano se reflete o olhar de Deus. E quando somos capazes de reconhecer Deus no outro, um novo Natal torna possível uma nova história. Feliz Natal, pois em meio às precariedades atuais, Deus nos sorri de novo e nos convida a uma nova “parceria”, inaugurando um novo tempo.

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB

Advento: renovar a mesma novidade

novembro 29, 2020 / no comments

Advento: renovar a mesma novidade

Este domingo, 29 de novembro, marca o início do tempo de preparação para o Natal do Senhor. É o Advento, cujo significado tem a ver com “chegada”, “vinda” “presença”. São 4 semanas, marcadas pela recordação das profecias da promessa da salvação de Deus e pelo insistente convite à vigilância.

Com ele o cristão é convidado a despertar para a chegada certa do Senhor que vem no Natal, mas que também escolheu irromper na vida da gente em tantas situações especiais e nas mais corriqueiras. Por isso ouvimos Jesus no Evangelho a nos alertar: “Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento” (Mc 13, 33). O momento a que se refere Jesus não é apenas o fim dos tempos ou a hora da morte, mas também as constantes visitas que Ele faz, trazendo novidade à vida da pessoa e à história do mundo.

É oportuno que todos os anos se reserve um tempo para esperar aquele que já chegou, mas que também chega todos os dias, “renovando assim a mesma novidade” (Orígenes, séc. III). O grande problema é acostumar-nos com a visita de Deus de tal modo que nos tornamos insensíveis ou indiferentes a esta presença que é sempre nova. Passam os anos, renovam-se os acontecimentos e acabamos por perceber que a única possibilidade de real novidade parte de Jesus Cristo. A sua Ressurreição é o único fato inédito da história e é a garantia da vitória do amor em cada época.

Recentemente visitava uma comunidade terapêutica da Casa do Menor e ouvi testemunhos que coincidiam em afirmar que a vida vivida na rua, nas drogas, no desamor, encontrou possibilidade de renovação real quando encontrou o amor de Deus. A presença do Ressuscitado é portadora de vida no meio de tantos sinais de morte no momento presente.

Nossas expectativas de libertação talvez se tornaram ainda mais vivas depois das tantas pandemias que vimos surgir no ano de 2020. Atravessamos o ano com uma sombra que nos acompanhou, semeando lutos, incertezas e medos. Mas, os sinais da presença do Crucificado Ressuscitado também nos acompanharam.

Podemos citar tantos exemplos: as descobertas na vida de família; as palavras do Papa Francisco; na Igreja fizemos a descoberta ainda mais concreta de um ensinamento do Concílio Vaticano II, a Igreja doméstica como lugar de comunhão com Deus e com os irmãos, de escuta da Palavra de Deus, de oração e de caridade; tanta bondade evidenciada em tantas iniciativas a favor dos mais vulneráveis; e a convicção, tímida ainda, mas real de que a humanidade precisa ser diferente.

O tempo do Advento é tempo de profecia. Ouviremos Isaias, João Batista, e outros profetas, mas também cada cristão deve assumir com urgência a dimensão profética do seu Batismo e ter a coragem de falar do amor de Deus e do seu projeto para uma humanidade nova. Por meio de tantas profecias Deus preparou o Natal de Jesus entre nós há dois mil anos. Hoje, novos profetas, espalhados pelas casas e nos mais diversos ambientes da convivência humana, deverão preparar um Natal diferente: de mais realidade e menos fantasia, o mesmo Natal de Jesus que encheu outrora o coração de tantos homens e mulheres simples de uma esperança certa.

A certeza com encontro o Senhor inspire nossa oração, as Novenas de Natal celebradas em família, as numerosas iniciativas de caridade, de atenção aos tristes e abandonados, enfim, o clima de verdadeira festa marcado pela presença certa do Senhor.

Bom Advento!

 

Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.