Apesar das estatísticas apontarem para um crescimento do número dos indiferentes no tocante à religião, assistimos ultimamente um interesse pelo assunto, entre outras coisas, como pretexto de expressão artística nem sempre condizente com o significado do sagrado. Não pretendo aqui engrossar a polêmica que tal uso vem provocando, mas refletir sobre a autenticidade da questão do respeito que o sagrado pede. Temos visto que brincar com o sagrado pode, por um lado, provocar o riso superficial de alguns, mas também tem suscitado não poucas reações de indignação e de pedido de respeito.
A proteção ao sagrado transcende à mera questão do respeito, pois sempre esteve vinculada com a possibilidade de dar sentido amplo à vida, e, portanto, de proteção a tudo o que é humano e a todo o cosmos. Para os romanos, o recinto sagrado era um lugar de proteçãopara as pessoas. Os gregos consideravam que a principal característica do que é santo era a vida. O sagrado possui em si uma força de vida, por isso o tratavam com temor e respeito.
Estudos acurados sobre a terminologia da palavra “sagrado”, encontram no latim sancire (sancionar) uma de suas raízes mais autorizada. Assim, etimologicamente, significaria conferir validade, conferir realidade. Fazer com que algo se torne real. O sagrado sustenta a vida cotidiana e a abre ao transcendente, tornando-o parte da sua experiência. Quando se perde o recurso ao sentido, especialmente numa cultura como a nossa, onde prevalece mais o comoque o porque, a tendência é não querer mais suportar a dor, o sofrimento, os lutos. Não se pode mais compreender o sofrimento, a morte, a finitude humana. Corre-se o risco do desespero, da fuga nas mais diversas formas, ferindo ainda mais a vida da pessoa. Muitas vezes me questiono se a chamada crise de sentido, que muitos hoje denunciam, não tem a ver com um certo vazio do sagrado.
O sagrado está relacionado com a questão do sentido, da realidade que transcende o homem, mas que, ao mesmo tempo, não lhe é indiferente, nem o desinteressa. Muito acertada é aquela afirmação de Klaus Hemmerle para quem o sagrado é “o intocável que me toca”. O mesmo autor dizia que “só no contato com o sagrado eu tenho em mim a felicidade e sou libertado da insegurança e da falta de fundamento de mim mesmo”.
É preciso ainda reconhecer que, neste campo, se sofre alguma influência de Nietzsche, Marx e Freud, que fizeram uma leitura de certos fatos culturais, particularmente os fatos religiosos, como sintomas de processos escondidos, de natureza bem diferentes e, de certa maneira, coincidiam em ver a religião como projeção de desejos meramente humanos que ganhariam no mito a força da transcendência. Um certo “preconceito” filosófico foi sendo desenvolvido, portanto, especialmente nos últimos séculos.
O cristão ao rezar, implora que o nome de Deus, que é Pai, seja santificado. Com isso, pede-se que a forma única que Ele tem de ser Pai seja respeitada, não se confunda com uma projeção nossa, nem com nenhuma experiência humana que embace o brilho do verdadeiro rosto de Deus. O rosto de Deus é amor, misericórdia, e foi mostrado em Cristo. E a coerência do cristão tem a ver com a tradução na vida do dia a dia desse rosto de Deus. Respeitar o sagrado, é aproximar as pessoas do verdadeiro ser de Deus que se aproximou de nós. Na perspectiva cristã, o sagrado não é distante, mas deve ser respeitado porque toca ao essencial da vida e, por isso mesmo, tem a ver com a salvação da pessoa na sua integridade. Proteger o sagrado é proteger a possibilidade de viver a vida com o seu verdadeiro sentido. Já Irineu de Lyon dizia no século II, que “a glória de Deus é o homem vivo”. Quando se respeita o sagrado, no seu autêntico sentido, a vida manifesta toda a sua força.
Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB