Um novo Natal para uma nova história
Chegamos à celebração do Natal! Normalmente acontece que, nos últimos meses do ano, as atenções se voltam para o encanto desta data. Tudo costuma falar do Natal. As luzes multicores das cidades apontam para o fato importante e luminoso que despontou na história humana. O ambiente contagia, de muitas formas, os sentimentos próprios da suavidade do tempo da visita do Filho de Deus a nós.
Este ano, porém, uma outra notícia dividiu as atenções próprias do Natal. A pandemia da COVID-19, com as marcas de dor e luto, recentemente impressas no coração de tantas pessoas, e os limites próprios da segurança sanitária, nos obrigam a recuperar o verdadeiro sentido da festa, ao mesmo tempo que nos provocam sobre por que ainda celebrá-la.
Em todas as épocas há momentos de clara consciência da fragilidade humana. O século passado, por exemplo, viu explodir duas grandes guerras, com proporções mundiais, que colocaram a descoberto o potencial de destruição guardado no coração humano. A situação presente trouxe uma consciência maior de tantas outras pandemias: violência, desigualdades sociais, rebrotes de racismos, nacionalismos excludentes, polarizações várias que dividem famílias e pessoas, etc.
Mas mesmo assim, todos os anos, a festa do Natal se propõe de novo, como nova oportunidade para a humanidade. É o nascimento do Salvador! Como pesa hoje este título de Jesus, diante de tantas propostas fracassadas de “salvação”, nas promessas efêmeras de que nós, por nós mesmos, encontraríamos caminhos de salvação definitiva nas ideologias políticas, no avanço das ciências, nos líderes mundiais, nas alianças de países, etc.
Não quero com isso desmerecer tantas iniciativas importantes, válidas e promissoras. Simplesmente quero lembrar que a salvação que almejamos, que nos dá vida plenamente, não procede de nós mesmos, mas vem do alto, recebe-se como dom da bondade de um Deus que é amor.
A salvação de Deus, é diferente! Ele oferece uma “parceria”. Quer salvar a humanidade, através da humanidade. Nem o homem sozinho, por si mesmo, nem Deus sozinho!
E o curioso, ou melhor dizendo, o divino é que Ele escolhe o caminho da fragilidade, já bem conhecido da experiência nossa de cada dia. Não tem nada a ver com os super-heróis de nossas fantasias, mas com o realismo. As narrativas do acontecimento mais importante da história não poupam detalhes que mostram a vida real, feita de humilhações, angústias, preocupações, carências e precariedades.
A imagem do menino Jesus na manjedoura é simbólica do modo como Deus age na vida humana. Ele não prescinde da fragilidade, mas a abraça e eleva o ser humano a uma dignidadeinimaginável. “Deus se torna homem para que o homem se torne Deus”, lembram os primeiros grandes mestres do cristianismo.
Para nascer não escolheu os palácios, nem as honrarias dos grandes. Não teve o amparo dos poderosos, mas a sorte dos deserdados e marginalizados. Não se serviu de coisas extraordinárias, mas entrou na simplicidade dos fatos presentes: um recenseamento, uma família, uma cidade cheia de gente e de arrogância, um último lugar para nascer e abrir os olhos para este mundo sombrio, mas amado por Deus até o extremo.
O Natal é este tempo de acolher uma nova presença de Deus entre nós. Ele que não escolhe circunstâncias melhores para chegar, mas se adapta às palhas que lhe oferecemos. Deus se aproxima de nós no meio deste tempo desafiador e nos diz que não estamos sozinhos e que no rosto de um ser humano se reflete o olhar de Deus. E quando somos capazes de reconhecer Deus no outro, um novo Natal torna possível uma nova história. Feliz Natal, pois em meio às precariedades atuais, Deus nos sorri de novo e nos convida a uma nova “parceria”, inaugurando um novo tempo.
Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu e vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB