Recordo-me, no primeiro Natal que passei em Salvador, recém-chegado como bispo auxiliar à Sé Primacial do Brasil, a prefeitura da cidade havia assumido uma ideia do arcebispo de colocar, numa das vias principais, a “Avenida Paralela”, um enorme presépio, com personagens bem expressivos. Os transeuntes logo se davam conta daquela realidade diferente e nova que se erguia em plena avenida, movimentadíssima pelo vai e vem dos veículos. Não demorou muito para que virasse atração da capital baiana, naqueles poucos dias de preparação para o Natal e depois da festa também. Lembro-me de ver várias famílias, com seus filhos pequenos, passeando por entre as imagens, como se fossem um personagem a mais.
O presépio, de alguma forma, tem a graça de introduzir as pessoas no acontecimento extraordinário do nascimento do Filho de Deus entre nós. Com muita facilidade nos sentimos bem à vontade ao reunirmos as distintas figuras que compõem o cenário do nascimento de Jesus em Belém.
Recentemente, o Papa Francisco, ofereceu-nos uma bela Carta Apostólica, com o título de “Admirável sinal” (Admirabile signum, em latim – AS), precisamente sobre este símbolo que é um dos mais tocantes desse tempo. Com ela quis o Papa “apoiar a tradição bonita das nossas famílias prepararem o Presépio, nos dias que antecedem o Natal, e também o costume de o armarem nos lugares de trabalho, nas escolas, nos hospitais, nos estabelecimentos prisionais, nas praças” (AS, n. 1).
De fato, tenho reparado que ultimamente, embora ainda de forma tímida, o número de presépios tem crescido. Por esses dias, deparei-me com um bem expressivo num dos shoppings da cidade. A reação das pessoas é quase sempre a mesma, deter-se para contemplar a cena, introduzir-se no contexto, convidar as crianças a tomarem parte. Não acabamos de nos acostumar com a maravilha do amor de Deus que manifesta sua presença em meio à simplicidade da vida da família, à pobreza e à indiferença dos seres humanos.
O presépio nos ajuda a resgatar o verdadeiro sentido do Natal e a superar a tendência consumista que tende a reduzi-lo simplesmente à festa do trocar presentes. O Natal é a festa de Deus presente, Deus conosco, Deus feito homem na fragilidade de uma criança nascida em condições de extrema pobreza.
Na Carta acima mencionada, o Papa manifestava o seu desejo de “que esta prática nunca desapareça; mais ainda, espero que a mesma, onde porventura tenha caído em desuso, se possa redescobrir e revitalizar” (Ibidem).
Não se trata simplesmente de uma necessidade da memória, mas da tradução de uma mensagem que alcança a humanidade inteira em todas as circunstâncias tão variáveis da história. Montar o presépio “ajuda a imaginar as várias cenas, estimula os afetos, convida a sentir-nos envolvidos na história da salvação, contemporâneos daquele evento que se torna vivo e atual nos mais variados contextos históricos e culturais”(AS, n. 3). Não importam de que são feitas as figuras. Por esses dias, numa visita ao DEGASE, deparei-me com um presépio muito expressivo, de origami, sobre uma cartolina, preso à parede. Bastou aquela singela representação para que os bons sentimentos natalinos estivessem presentes.
Que ao montar o presépio, acolhamos de Jesus o “apelo para O seguirmos pelo caminho da humildade, da pobreza, do despojamento, que parte da manjedoura de Belém e leva até à Cruz, e […] ainda a encontrá-Lo e servi-Lo, com misericórdia, nos irmãos e irmãs mais necessitados” (Ibidem).
Artigo de Dom Gilson Andrade da Silva, bispo de Nova Iguaçu (RJ) e Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.